quinta-feira, 28 de junho de 2012

Jogando Xadrez com a Morte: A Vida não passa de um jogo.


         
Procurar decifrar a película “O Sétimo Selo” significa perscrutar as profundezas da alma bergmaniana, e adentrar mais do que nunca, nas inquietações da alma humana, no decorrer de toda a nossa história. Trata-se de um filme atemporal, no sentido artístico, estético e acima de tudo ideológico. Ao contrário do que pareça não se trata de um filme sobre pessoas, questões e medos existentes durante a Idade Média, mas sim uma reflexão profunda e puramente existencial sobre a natureza humana que é aquém e inata a qualquer período histórico especifica.
         Desta forma, “o filme é na verdade uma alegoria que tem a Idade Média como pano de fundo, ou se quiser, como principal paisagem.[1]”, mas não o principal eixo de seu questionamento.  Com o “Sétimo Selo”, Bergman procurou acima de tudo reproduzir ou se questionar sobre a natureza do homem, seja ele, antigo, medieval ou moderno, na medida em que se encontra sempre diante dos mesmos temores, das mesmas angustias: O Medo diante do desconhecido, diante do anuncio de um amanha sombrio e sem respostas, através de uma alegoria clássica entre o jogo do homem frente a Morte.

   Não obstante, para efetuar metaforicamente tais reflexões, Bergman utiliza com eficiente destreza um desnudamento da alma humana a partir de uma “paisagem medieval” que remonta ao ano de Nosso Senhor (1348), quando a Peste Negra assolara a Europa, e trazia assim à tona além do medo, inúmeros questionamentos sobre a natureza divina, e, sobretudo sobre a fé humana. Este espaço temporal é apenas um meio pela qual Bergman procurou discutir, contudo, o necessário a salutar é que para ele, tudo aquilo é nada mais nada menos do que a representação do nosso presente. 
      Desta maneira, o proprio Bergman afirmava que “O Sétimo Selo” trata-se de um “poema moderno, sentado com material medieval muito livremente manipulado. O Cavaleiro do filme retorna da cruzada como o soldado de nosso tempo retorna da guerra.” [2]
         Assim, o que menos importa em Bergman, é a delimitação temporal. Tanto vale que estejamos em 1348, nos anos 1980, ou em 2012, pois para Bergman o que vale é a natureza humana, a parte suas inquietações, sofrimentos, que são os mesmos, contudo com uma face diferente, mas de mesma essência, no decorrer de toda a história da humanidade.
         O Temor diante da morte, da existência de Deus, e principalmente de um amanhã marcado por uma hecatombe mundial, sempre vai emergir quando o Ser humano encontra-se em particular diante de um período de inquietação forte, seja durante o ano da Peste Negra, seja no pós - segunda guerra, onde durante o filme foi rodado, cujos ventos anunciavam uma Guerra Fria, que traria a tona o medo de uma explosão mundial, que já era possível crer, graças às recentes inflamadas e assustadoras bombas mundiais de Hiroshima e Nagasaki.  Assim, a Peste Negra de ontem pode ser a difusão avassaladora da AIDS durante os anos 80, as cruzadas continuam a ser fruto da irracionalidade bélica humana, e como fruto disso tudo, o resultado será sempre um retorno a reflexão sobre si mesmo: O que é o homem, quais são os seus medos, como lidar com eles, e por fim, como nos consolaremos.
         Diante de tudo isto, Bergman conseguiu graças a sua genialidade, através desta marcante metáfora “medieval-moderna” abarcar todos os questionamentos de ontem, hoje, e com certeza de amanhã, utilizando-se um fundo histórico verídico eficientemente utilizado, e, sobretudo tornando a película nada menos que uma representação artística destes temores.
         Valendo-se de seus dotes teatrais, haja vista que Bergman foi acima de tudo um diretor aclamado de teatro, utilizou-se de muito da estética dramática dos palcos para reconstruir os temores de “O Sétimo Selo”. Desta maneira, Bergman conta com uma trupe de atores, que o acompanha desde as suas peças de teatro até seus mais aclamados filmes.
         Tudo em “O Sétimo Selo” é filosófica e historicamente pensado de forma a exprimir perfeitamente e com alto teor artístico herdado do Teatro, para representar as emoções humanas. Para assim ser, Bergman acaba recorrendo aos:
 “... contrastes de claro/escuro, o cuidado posto no vestuário, a caracterização central da Morte com seu rosto de mascara, os gestos automáticos e visivelmente programados dos flagelados na procissão, a opção por quadros autônomos, como se os atores estivessem em um tablado. (...) São ainda as raízes teatrais que esclarecem os sentidos dos importantes closes das fisionomias dos atores...” [3]

Daí em diante, nos confrontamos com o duelo entre a fé abalada do cavaleiro Antonius Block em sua busca por respostas, contra o ceticismo do já convalido pelas desgraças humanas escudeiro Jons. Deparamo-nos com uma personificação da Morte, que se torna impessoal, enigmática, sem respostas, que se torna por si só seu oficio, não atuando por Deus, nem pelo Diabo. Em suma, são os inúmeros questionamentos postos a prova por Bergman e seria quase que impossível destrinchá-lo neste breve comentário.
Se a relação da História para com o Cinema é importante, Bergman faz desse uso bastante proveitoso, e perfeitamente histórico e artístico. Toda a película é fundamentalmente histórica, e, sobretudo artisticamente falando. 
Uma cena em especial me chama a atenção, pois é ali onde percebemos a clara intenção, já afirmada, de Bergman para com o bom uso da arte: Durante um dos quadros do filme, o lenhador Skat utiliza-se de seus dotes artísticos de ator, para enganar o ferreiro Plot, e assim fugir de seu duelo. Considerando-se experto, o covarde ator sobe em uma arvore, até que percebe que a Morte está lhe derrubando a sua “arvore da vida”. Assim, percebe-se que a própria morte considera indigno aquele que utiliza a arte para coisas deploráveis, como fizera o ator. A morte respeita a arte e não quer assim que façam um deplorável uso dela. A arte é pura, por si so deve existir como manifestação da subjetividade e pureza humana. A própria morte é uma arte e não quer ser desrespeitada como tal. Fica clara a mensagem de Bergman através desta passagem como um dever diante da pureza da arte.


Sob o aspecto histórico, O Setimo Selo na verdade nada mais é do que uma eterna “Dança Macabra” desde a sofrida procissão dos flagelantes até a chegada da morte na casa de Block, levando-os “Todos eles, o ferreiro e Lisa, o cavaleiro, Raval, Jons e Skat. E a severa morte os convoca para dançar. Quer que todos dêem as mãos para formarem uma longa fila. A morte vai à frente com a foice e a ampulheta, mas Skat vai atrás com a sua lira. Eles vão dançando, se distanciando do sol, em uma dança solene. Dançam rumo à escuridão, e a chuva cai nos seus rostos lavando as lagrimas salgadas de suas faces” [4].  
Essa eterna dança é a chamada “Le Danse Macabre” que marcou a pintura medieval, iniciada a partir do século XIV, quando através das artes das pinturas das paredes das Igrejas, dentre outras formas de manifestação artística, procurava se demonstrar que a morte vem e não poupa ninguém, não há classes sociais, são todos iguais, chamados a dançar.



Esta caracterização da chamada Dança Macabra é crucial e abarca praticamente todo o eixo da obra, sendo de um caráter artístico perfeito durante toda a sua execução. A Película nada mais é do que uma fuga obsessiva desta macabra e indesejada dança que chamava para o baile a quase todos. Como sinal de negação a Morte, e a fim de encerrar este comentário, propositalmente deixo para o final algumas palavras sobre as personagens Jof, Mia e Mikael, que para Bergman tem todo um sentido religioso, messiânico até. 
Estes são os únicos que conseguem se salvar, inicialmente porque são os únicos seres puros de coração de toda a história, são artistas que fazem bom uso de sua arte, que para Bergman representam um sentido muito importante: “O Conceito de Santidade Humana. Se você desfizer as camadas de varias teologias, o sagrado sempre permanece.” É por isso que depois de tocada a sétima trombeta do apocalipse, somente sobrevivem como salvação e símbolo de um reinicio baseado na pureza, a trindade messiânica, um casal puro, Jof, Mia e Mikael, assim nada está perdido ainda, enquanto houver esperança, pureza, e unção entre o amor e o bom uso da arte pela arte. 
Ass: Rafael Costa Prata
Graduando na Universidade Federal de Sergipe



[1] MONGELLI, Lênia Márcia. Ingmar Bergman e o Jogo da Morte. In: MACEDO, José Rivair; MONGELLI, Lênia Márcia. (Org.), A Idade Média no Cinema. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009, p.83-127, p.86.
[2] Idem, p.84-85.
[3] MONGELLI, Lênia Márcia. Ingmar Bergman e o Jogo da Morte. In: MACEDO, José Rivair; MONGELLI, Lênia Márcia. (Org.), A Idade Média no Cinema. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009, p.83-127, p.89.
[4] Fala Final do personagem Jof durante a execução da película.

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