Sorria você está sendo
filmado! Quem nunca leu a um letreiro com informações do gênero, certamente
vive numa redoma intransponível, distante dos olhares do mundo.
O Olhar. Lá no distante ano de 1967, o teórico francês Guy
Debord em seu escrito “A sociedade do espetáculo” já deixava claro que, um dos
pilares desse sistema é justamente a massificação do efeito panoptico, do olhar
que a tudo e a todos vê.
Esse efeito pode ser produzido por um Estado controlador –
como nos mostra George Orwell em sua clássica obra “1984” – ou qualquer outra
instituição de ordem privada, como os bancos, padarias, locadoras, shoppings,
que se utilizam desse sistema para garantir a segurança de seus clientes.
De fato, em alguns casos, a maximização da segurança acarreta
necessariamente uma diminuição da privacidade. O exemplo citado acima é um
desses casos. O que se torna cada vez mais evidente é que caminhamos
progressivamente para uma sociedade da “não – privacidade” onde a vida alheia
cada vez mais ganha o interesse, despertando a curiosidade e o consumo de todo
um público.
O que explicaria o sucesso recente de uma serie de reality
shows de conteúdo cultural “discutível” nos dias atuais, se não essa
curiosidade mórbida em adentrar na vida, nos costumes, nas fofocas dos
confinados?
Discutir os limites e as consequências dessa tendência panóptica
em que vivemos é um dos méritos da película “O Show de Truman”, película de
enorme sucesso do ano de 1998, sob direção de Peter Weir, e de indiscutível atuação
do grandíssimo Jim Carrey.
Com um enredo “simples”, mas absurdamente original, “Show de
Truman” nos leva a história, desde a gestação, de Truman Burbank, que ao ser
indesejado por sua mãe, acaba sendo adotado por uma “corporação televisiva”,
que desde cedo, vê na adoção a oportunidade de levar adiante um mega – projeto televisivo.
Ao nascer, o bebê – celebridade Truman é levado a uma cidade
inteiramente cinematográfica, onde passa a ser criado por “pais adotivos –
atores” e a conviver com toda uma população de mesma natureza. Seu primeiro “A”
é transmitido, rendendo enorme IBOPE para a corporação televisiva. Seu primeiro
beijo, primeira namorada. Primeira decepção amorosa. Conquista do emprego.
Enfim, todas as instancias da vida de Truman são transmitidas
24 horas por dia na TV, e obviamente que, no esteio dessa situação, há uma
particularidade: Truman desconhece toda essa situação.
Somos levados então à vida do ingênuo e feliz Truman que é
amado por toda a “população” daquela cidade em que nasce, cresce e desconhece
que tudo que tenha feito é de sabedoria de todo o mundo. Truman é o símbolo perfeito
da ausência da privacidade no mundo moderno, pois, o único espaço em que não se
consegue entrar é a sua mente (ainda, ao menos, o futuro pode aproximar essa
questão).
Quem controla seu “Presente e Futuro” é o personagem
Christof, protagonizado pelo sensacional Ed Harris, que filosoficamente assume
o papel do “Criador” que controla a sua “Criatura”, situação complicada e
recorrente na história e nas lendas da Humanidade, cuja situação caótica leva
justamente ao ápice do filme: o desgarramento da criatura frente ao seu criador,
este último, curiosamente, cada vez mais afeito a sua criação.
É o que acontece na película; repentinamente Truman começa a
desconfiar de situações “estranhas” como o céu artificial que perpassa toda a
sua vida mas que nunca notara, como também a volta de seu pai que na sua infância
havia “morrido” – seu “pai” havia sido morto para que se criasse um sentimento
de solidão maior no mesmo – entre outras situações.
Investigando cada vez mais esses fatores, Truman segue então
a uma verdadeira “odisseia” em busca da descoberta de sua real existência.
Truman se assemelha então ao sujeito do mito da caverna de Platão, que percorre
as estranhas de sua situação obscura, para se libertar daquilo que o prende a
fim de encontrar a verdade de sua existência.
É a esse caminho que Truman empreende; e o final do filme é
praticamente um thriller nesse sentido: munido de uma embarcação, Truman segue
até o fim do “mar local”, sendo sempre impedido por “trovoadas e marés fortes”
impostas por seu “Criador”.
Ao fim, Truman descobre tudo o que não desejava – ou não: sua
vida não passa de um show, de um espetáculo público, midiático, rentável, por
cerca de 30 anos de idade. A Cena final em que o jovem chora alucinadamente ao
tocar na parede do “céu” – o muro que o separa de uma vida livre – é extremamente
emocionante.
Enfim, o “Show de Truman” nos leva a refletir profundamente
em torno do modo como “coisificamos” às pessoas, a privacidade, as relações
pessoais, em suma, a tudo aquilo que compõe uma vida na sociedade contemporânea.
A partir de um caso “exagerado” é claro, somos levados a uma reflexão
minimalista, onde procuramos perceber como somos “vigiados” no dia a dia, em um
caminho que cada vez mais beira a uma situação insustentável.
Das câmeras de banco aos status das redes sociais, todos somos
sabedores da vida alheia muito mais até do que a nossa, uma tendência que é
cada vez mais contemporânea. Diante disso tudo, há de se pensar até que ponto,
somos todos nós numa mesma esfera, “criador” e “criatura” dentro de uma sociedade do espetáculo?
Ass: Rafael Costa Prata
Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe
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