sexta-feira, 20 de abril de 2012

O Mr.Hyde que reside em nós: O Cinema para debater o Homem e a Ciência


         A Ciência nem sempre impulsionou nos homens, a certeza do progresso e consequentemente da felicidade obtida por meio de seus derivados. Ainda que esta produza inúmeras benesses na vida de todos nós – e isso é inegável – a Ciência em alguns casos acabou trazendo algumas consequências nefastas para a humanidade. Talvez a escrita do paragrafo acima esteja incorreta. Joguei a culpa em quem não devia. Não foi a ciência quem trouxe efeitos nocivos, mas sim, o modo como o homem tem se apropriado de suas próprias descobertas. Enfim, seu mau uso.
         Os anos 1930 – 1940 marcaram significativamente os tempos nefastos da pesquisa cientifica. No meio da Segunda Guerra, em 1941, em plena competividade militar, os Estados Unidos desenvolve o Projeto Manhattan, unindo seus principais cientistas, paralisando suas pesquisas, no sentido da construção da horrenda bomba atômica. A própria Segunda Guerra foi palco com certeza da maior indústria da morte conhecida. 
         O Nazismo erigiu em solo alemão, austríaco, polonês, inúmeros campos de concentração, dotados de uma grande eficácia mortífera, obtida através de burocráticos estudos desenvolvidos nesse sentido. O Gás letal Zicklon B surge para assassinar mais rápido, e em maior quantidade, aos judeus nas casas de banho, nestes campos de concentração. Nessa linha de montagem da morte, os corpos são pilhados e queimados em verdadeiras piras, que funcionam a ritmo industrial. No lado mais “glamoroso” do sistema, os cientistas eugenistas lotam os laboratórios alemães na promoção de pesquisas que ajudem a melhorar a raça, a obter o suprassumo do que seria o homem alemão. As cobaias são claro  as crianças – gêmeas como queria Josef Mengele -, os velhos, os deficientes, enfim, todos os que não eram considerados arianos, e que dai em diante, podiam ser transformados da condição de humanos, para simples objetos de pesquisa.
       Esses dois exemplos obviamente que são exemplificações de casos exagerados da relação nefasta que se pode produzir entre o homem e a ciência. Contudo, em uma escala mais reduzida, esta questão também pode ser retratada. Lá atrás, no final do século XIX, a literatura já apresentava seus anseios sobre os rumos que a ciência poderia obter em mãos erradas.
         Paradigmática é a obra “O Estranho caso de Dr.Jekyll e Mr.Hyde” do escritor britânico Robert Louis Stevenson, lançada em 1886. Na obra, somos levados ao universo glamoroso de homens da fina flor inglesa, na figura do aclamado e respeitadíssimo médico, o Dr. Jekyll, um verdadeiro sir, bastante conhecido por seus atos de filantropia. O Outro extremo da obra nos leva a aterradora revelação do lado mais obscuro do mesmo, simbolizado na emergência do pavoroso e frio Mr.Hyde, obtido através de uma experiência realizada pelo mesmo. Cada vez mais dominado por essa descoberta, Jekyll é lentamente dominado por Hyde, que acaba assumindo a esfera total de sua vida.

A Ciência pondo em vista o lado mais sombrio: Mr.Hyde.


         Jekyll sucumbe com sua própria descoberta. Stevenson além de obviamente querer demonstrar o lado mais sombrio humano – escondido até nas almas tidas como puras – procurou fazer sua crítica a esta inconstante natureza humana e ao possível efeito pavoroso que pode manifestar frente à ciência.
         Às vezes é muito poder, muita inteligência, para um animal racional com muita capacidade de fazer o mal, e em alguns casos, queiramos crer que não sejam poucos, de fazer o bem.
       Neste sentido, o Cinema tem refletido também, numa esfera mais introspectiva, a relação homem – ciência. Não quero tratar nesta postagem sobre filmes futuristas, megalomaníacos, com grandes civilizações, transportes voadores, robôs e etc. Não, a ciência desta postagem está muito mais ligada a uma micro – dimensão, uma esfera mais pessoal do individuo.
         Alguns filmes tem procurado refletir em especial sobre a possibilidade que a ciência oferece de obter “uma nova vida”. Grande parte destas películas parte de um inicio aterrador, da apresentação de um presente triste e da possibilidade de ao final, com o auxilio da ciência, chegar a um caminho feliz. Mas isto está apenas na teoria, porque tais obras sempre trazem uma ideia apocalíptica, trágica.
         Obter uma nova vida através da ciência muitas vezes no Cinema é obter um “novo rosto”, símbolo desta nova etapa. É nesse sentido que se segue a postagem: a reflexão sobre a humanidade que fazem os filmes sobre cirurgias plásticas, pelo menos, os filmes mais reflexivos do gênero que eu tive contato.

Os Olhos sem Face (1960) de Franjou: um dos precursores da discussão


         Talvez o primeiro grande filme a emergir nesta discussão, e que com certeza serviu de modelo ideológico para os posteriores, foi o filme francês “Olhos sem Rosto” de Georges Franjou, lançado em 1960. Neste filme de terror – ou suspense clássico – fantástico, Franjou nos leva a agonizante situação do Prof.Genessier e de sua filha Christiane. Esta, após uma acidente de carro, acaba sobrevivendo com a face desconfigurada. Acometido pela culpa do acidente, seu pai, o Prof.Genessier desenvolve uma cirurgia para mudança de pele. 
        Determinado a recuperar a beleza e a vida de sua filha – que vive enclausurada dentro de casa e portando uma aterrorizante mascara sem expressão feita de silicone – procura por vitimas em Paris, que apresentam a mesma consistência de pele da sua filha, ou seja, maior probabilidade de êxito na cirurgia. 

Christiane e sua mascara sem expressão


       O Enredo da película é simples, mas o final é surpreendente, e os caminhos atormentados seguidos pelo pobre Professor Genessier – que em alguns momentos da trama temos pena – demonstra a que nível de degradação pode chegar à mente humana quando acometido pela culpa, e nesse sentido, quem porta a ciência, o mal que pode acometer usando tal instrumento.
         Pouco tempo depois, nos mesmos anos 1960, foi lançada a película americana “O Segundo Rosto”.  Trata-se de um filme bastante atormentador. Sufocante. Narra à história de um comum idoso que, insatisfeito com a sua fase final de vida –a inercia, os mesmos lazeres – é convidado por um amigo para “renascer”. Através de uma cirurgia feita em uma empresa médica clandestina, ele renasce com um novo corpo, nova face, enfim, uma cirurgia que o faz renascer por fora, voltando praticamente para maturidade da vida, é claro, com uma nova identidade, uma nova face. 

O Segundo Rosto (1966): Final Reciclativo da especie humana


        Tudo feito é claro sem ninguém saber. Como? A própria empresa trata de simular a sua morte, de forma que, sua esposa acaba então sabendo de seu “óbito”. Um corpo comprado acaba assumindo seu lugar na hora da morte. Revitalizado, com uma nova face, e sem ninguém a prestar contas, o “renascido” parte novamente para curtir o mundo, mas acaba não se adaptando. É tudo muito artificial, pois possui um corpo novo, mas a mente é a mesma, continua ligado ao estágio mental indicador de sua idade. O Experimento então não dá certo. O Final desta película também é assustadora, apresentando um final bastante que eu definiria aterrador por se apresentar "reciclativo" sobre a especie humana.

A Face de um Outro: Duas histórias com uma mesma proposta.


         No mesmo ano de 1966, o cinema japonês se aventurou na perspectiva. O Filme “A Face de um Outro” aborda a questão a partir de duas historietas: na primeira, um homem com o rosto deformado acaba sendo rejeitado por sua esposa, encontrando a solução para seus problemas numa cirurgia. O Resultado é nefasto, porque seu caráter acaba sendo alterado pela cirurgia... Noutra historia, uma jovem desconfigurada por conta daquela bomba atômica, a de Nagasaki, sofre os traumas de sua triste situação. Filme bastante reflexivo e que vale muito ser assistido.

A Pele que Habito: a retomada de uma antiga discussão.


         Recentemente, uma outra película ganhou bastante destaque. Trata-se do filme “A Pele que Habito” (2011) do diretor espanhol Pedro Almodóvar. Seguindo a mesma tendência de Franjou, com seu Olhos sem Rosto, Almodóvar conta a história de um medico interpretado por Antônio Bandeiras que após perder a esposa em um acidente de carro, acaba bitolado em suas pesquisas para desenvolver um tipo de pele especial que poderia ter salvado sua esposa. A Trama se segue, e os delírios do medico o fazem transgredir qualquer tipo de ética possível. Mais uma vez o final apresentado é aterrador.
         Enfim, a partir destes filmes aparentemente diferentes por conta de suas nacionalidades – um americano, um francês, um espanhol e um japonês – podemos ver como a temática em questão tem sido tão abordada pelo Cinema, principalmente para retratar a incapacidade humana de respeitar seus limites, e noutro caso, a vazão do seu lado sombrio acelerado dentro de suas ações na ciência. Em todos os casos, se segue a mesma metáfora: uma mascara, uma pele, uma renovação, mas o que está em jogo, é a chaga interna, irrecuperável, que não recuperada, alimenta mais ainda o descontrole humano em concertar o irremediável.
         O Lado sombrio acaba vencendo tudo. Domina o Homem e faz uso da ciência.

Ass: Rafael Costa Prata
Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe.

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