A Ciência
nem sempre impulsionou nos homens, a certeza do progresso e consequentemente da
felicidade obtida por meio de seus derivados. Ainda que esta produza inúmeras benesses
na vida de todos nós – e isso é inegável – a Ciência em alguns casos acabou
trazendo algumas consequências nefastas para a humanidade. Talvez a escrita do paragrafo
acima esteja incorreta. Joguei a culpa em quem não devia. Não foi a ciência
quem trouxe efeitos nocivos, mas sim, o modo como o homem tem se apropriado de
suas próprias descobertas. Enfim, seu mau uso.
Os
anos 1930 – 1940 marcaram significativamente os tempos nefastos da pesquisa
cientifica. No meio da Segunda Guerra, em 1941, em plena competividade militar,
os Estados Unidos desenvolve o Projeto Manhattan, unindo seus principais
cientistas, paralisando suas pesquisas, no sentido da construção da horrenda
bomba atômica. A própria Segunda Guerra foi palco com certeza da maior indústria
da morte conhecida.
O Nazismo erigiu em solo alemão, austríaco, polonês,
inúmeros campos de concentração, dotados de uma grande eficácia mortífera,
obtida através de burocráticos estudos desenvolvidos nesse sentido. O Gás letal
Zicklon B surge para assassinar mais rápido, e em maior quantidade, aos judeus
nas casas de banho, nestes campos de concentração. Nessa linha de montagem da
morte, os corpos são pilhados e queimados em verdadeiras piras, que funcionam a
ritmo industrial. No lado mais “glamoroso” do sistema, os cientistas eugenistas
lotam os laboratórios alemães na promoção de pesquisas que ajudem a melhorar a
raça, a obter o suprassumo do que seria o homem alemão. As cobaias são claro as crianças – gêmeas como queria Josef Mengele -, os velhos, os
deficientes, enfim, todos os que não eram considerados arianos, e que dai em
diante, podiam ser transformados da condição de humanos, para simples objetos
de pesquisa.
Esses dois exemplos obviamente que são
exemplificações de casos exagerados da relação nefasta que se pode produzir entre
o homem e a ciência. Contudo, em uma escala mais reduzida, esta questão também
pode ser retratada. Lá atrás, no final do século XIX, a literatura já
apresentava seus anseios sobre os rumos que a ciência poderia obter em mãos
erradas.
Paradigmática
é a obra “O Estranho caso de Dr.Jekyll e Mr.Hyde” do escritor britânico Robert
Louis Stevenson, lançada em 1886. Na obra, somos levados ao universo glamoroso de
homens da fina flor inglesa, na figura do aclamado e respeitadíssimo médico, o
Dr. Jekyll, um verdadeiro sir, bastante conhecido por seus atos de filantropia.
O Outro extremo da obra nos leva a aterradora revelação do lado mais obscuro do
mesmo, simbolizado na emergência do pavoroso e frio Mr.Hyde, obtido através de
uma experiência realizada pelo mesmo. Cada vez mais dominado por essa
descoberta, Jekyll é lentamente dominado por Hyde, que acaba assumindo a esfera
total de sua vida.
A Ciência pondo em vista o lado mais sombrio: Mr.Hyde. |
Jekyll
sucumbe com sua própria descoberta. Stevenson além de obviamente querer
demonstrar o lado mais sombrio humano – escondido até nas almas tidas como
puras – procurou fazer sua crítica a esta inconstante natureza humana e ao
possível efeito pavoroso que pode manifestar frente à ciência.
Às
vezes é muito poder, muita inteligência, para um animal racional com muita
capacidade de fazer o mal, e em alguns casos, queiramos crer que não sejam
poucos, de fazer o bem.
Neste
sentido, o Cinema tem refletido também, numa esfera mais introspectiva, a
relação homem – ciência. Não quero tratar nesta postagem sobre filmes
futuristas, megalomaníacos, com grandes civilizações, transportes voadores, robôs
e etc. Não, a ciência desta postagem está muito mais ligada a uma micro –
dimensão, uma esfera mais pessoal do individuo.
Alguns
filmes tem procurado refletir em especial sobre a possibilidade que a ciência oferece
de obter “uma nova vida”. Grande parte destas películas parte de um inicio
aterrador, da apresentação de um presente triste e da possibilidade de ao
final, com o auxilio da ciência, chegar a um caminho feliz. Mas isto está
apenas na teoria, porque tais obras sempre trazem uma ideia apocalíptica,
trágica.
Obter
uma nova vida através da ciência muitas vezes no Cinema é obter um “novo rosto”,
símbolo desta nova etapa. É nesse sentido que se segue a postagem: a reflexão
sobre a humanidade que fazem os filmes sobre cirurgias plásticas, pelo menos,
os filmes mais reflexivos do gênero que eu tive contato.
Os Olhos sem Face (1960) de Franjou: um dos precursores da discussão |
Talvez
o primeiro grande filme a emergir nesta discussão, e que com certeza serviu de
modelo ideológico para os posteriores, foi o filme francês “Olhos sem Rosto” de
Georges Franjou, lançado em 1960. Neste filme de terror – ou suspense clássico –
fantástico, Franjou nos leva a agonizante situação do Prof.Genessier e de sua
filha Christiane. Esta, após uma acidente de carro, acaba sobrevivendo com a
face desconfigurada. Acometido pela culpa do acidente, seu pai, o
Prof.Genessier desenvolve uma cirurgia para mudança de pele.
Determinado a
recuperar a beleza e a vida de sua filha – que vive enclausurada dentro de casa
e portando uma aterrorizante mascara sem expressão feita de silicone – procura
por vitimas em Paris, que apresentam a mesma consistência de pele da sua filha,
ou seja, maior probabilidade de êxito na cirurgia.
Christiane e sua mascara sem expressão |
O Enredo da película é
simples, mas o final é surpreendente, e os caminhos atormentados seguidos pelo
pobre Professor Genessier – que em alguns momentos da trama temos pena –
demonstra a que nível de degradação pode chegar à mente humana quando acometido
pela culpa, e nesse sentido, quem porta a ciência, o mal que pode acometer
usando tal instrumento.
Pouco
tempo depois, nos mesmos anos 1960, foi lançada a película americana “O
Segundo Rosto”. Trata-se de um filme
bastante atormentador. Sufocante. Narra à história de um comum idoso que,
insatisfeito com a sua fase final de vida –a inercia, os mesmos lazeres – é convidado
por um amigo para “renascer”. Através de uma cirurgia feita em uma empresa
médica clandestina, ele renasce com um novo corpo, nova face, enfim, uma
cirurgia que o faz renascer por fora, voltando praticamente para maturidade da
vida, é claro, com uma nova identidade, uma nova face.
O Segundo Rosto (1966): Final Reciclativo da especie humana |
Tudo feito é claro sem ninguém
saber. Como? A própria empresa trata de simular a sua morte, de forma que, sua
esposa acaba então sabendo de seu “óbito”. Um corpo comprado acaba assumindo
seu lugar na hora da morte. Revitalizado, com uma nova face, e sem ninguém a
prestar contas, o “renascido” parte novamente para curtir o mundo, mas acaba
não se adaptando. É tudo muito artificial, pois possui um corpo novo, mas a
mente é a mesma, continua ligado ao estágio mental indicador de sua idade. O
Experimento então não dá certo. O Final desta película também é assustadora,
apresentando um final bastante que eu definiria aterrador por se apresentar "reciclativo" sobre a especie humana.
A Face de um Outro: Duas histórias com uma mesma proposta. |
No
mesmo ano de 1966, o cinema japonês se aventurou na perspectiva. O Filme “A
Face de um Outro” aborda a questão a partir de duas historietas: na primeira,
um homem com o rosto deformado acaba sendo rejeitado por sua esposa,
encontrando a solução para seus problemas numa cirurgia. O Resultado é nefasto,
porque seu caráter acaba sendo alterado pela cirurgia... Noutra historia, uma
jovem desconfigurada por conta daquela bomba atômica, a de Nagasaki, sofre os
traumas de sua triste situação. Filme bastante reflexivo e que vale muito ser
assistido.
A Pele que Habito: a retomada de uma antiga discussão. |
Recentemente,
uma outra película ganhou bastante destaque. Trata-se do filme “A Pele que
Habito” (2011) do diretor espanhol Pedro Almodóvar. Seguindo a mesma tendência de
Franjou, com seu Olhos sem Rosto, Almodóvar conta a história de um medico
interpretado por Antônio Bandeiras que após perder a esposa em um acidente de
carro, acaba bitolado em suas pesquisas para desenvolver um tipo de pele
especial que poderia ter salvado sua esposa. A Trama se segue, e os delírios do
medico o fazem transgredir qualquer tipo de ética possível. Mais uma vez o
final apresentado é aterrador.
Enfim,
a partir destes filmes aparentemente diferentes por conta de suas
nacionalidades – um americano, um francês, um espanhol e um japonês – podemos ver
como a temática em questão tem sido tão abordada pelo Cinema, principalmente
para retratar a incapacidade humana de respeitar seus limites, e noutro caso, a
vazão do seu lado sombrio acelerado dentro de suas ações na ciência. Em todos
os casos, se segue a mesma metáfora: uma mascara, uma pele, uma renovação, mas
o que está em jogo, é a chaga interna, irrecuperável, que não recuperada,
alimenta mais ainda o descontrole humano em concertar o irremediável.
O
Lado sombrio acaba vencendo tudo. Domina o Homem e faz uso da ciência.
Ass: Rafael Costa Prata
Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe.
Ass: Rafael Costa Prata
Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe.
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