quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

O Index “cinematográfico”: Um Top3 de filmes “banidos” pelo Vaticano


    Em 1559 a Igreja criou o Index Librorum Prohibitorum, uma lista de obras literárias consideradas de conteúdo herético constantemente “atualizadas” pelo Papa, e sob a administração direta do Santo Ofício, da Inquisição. O “costume” persistiu até 1948, ou seja, por quase quatrocentos anos, quando foi publicada a sua última lista, tendo sida extinta em 1966, em definitivo, pelo Papa Paulo VI.
    Curiosamente, apesar de “extinto”, o Index vez ou outra mostra a sua face em outro ramo de produção cultural: o Cinema. Não obstante, tem sido uma prática bastante corriqueira por parte do Vaticano a de oferecer um “admonitum”, ou seja, uma advertência ao fiel em relação a alguns filmes que por conta do conteúdo herético, deveriam se manter afastados.
     Desse modo, uma série de filmes tem sido contestados e censurados pela Igreja que, dependendo do país, consegue até travar a sua circulação. Olha lá, é o Index cinematográfico! Só para ilustrar tal questão, vou listar três dos filmes mais “odiados” pela Igreja, e que por isso deram a maior confusão na época de sua exibição. 
     Certamente um dos casos mais famosos se refere a película “A Vida de Brian” produzido e realizado em 1978 pelo grupo de comédia britânico Monty Python. A película que descreve em tons absurdamente cômicos, a confusão que se torna a vida de um sujeito comum de nome Brian que acaba sendo confundido com o Messias e por isso vira objeto de adoração, causou um estardalhaço absurdo por parte de lideranças religiosas. Manifestações religiosas eram efetuadas pedindo a banição do filme em localidades dos Estados Unidos, e lideranças religiosas reforçavam a “blasfêmia” que era o filme contra a figura de Jesus Cristo. Em suas defesas, os comediantes negavam a acusação, afirmando que em nenhum momento haviam satirizado a figura de Jesus, mas sim, apenas haviam discutido, em tons cômicos, aspectos da fé, e inclusive, questões bem transversais como o sindicalismo, a política, e etc.

Cena de "A Vida de Brian" (1978)

    Um outro caso bastante conhecido foi o da película “Eu vos saúdo Maria", produzido e dirigido por Jean-Luc Godard em 1985. A película “reconstrói” a história da jovem Maria e de seu marido José num cenário localizado no século XXI. Bastante humanizado, contando inclusive com cenas de nudez, a película causaria uma polêmica enorme em todo mundo, sendo inclusive proibida aqui no Brasil pelo Presidente a época, José Sarney.

"Eu vos saúdo Maria" (1985)

Por fim, talvez o caso mais polêmico tenha sido o da película “A Última tentação de Cristo”, dirigida por Martin Scorsese em 1988, baseada no homônimo literário do grego Nikos Kazantzakis. Apesar do filme incluir em seus letreiros iniciais um aviso de que a obra não se baseava em nenhum dos evangelhos, não houve como não causar polêmica. Ao narrar a vida de um Jesus arrependido por suas escolhas e bastante humanizado, inclusive com uma vida de casado frente a Maria Madalena, a película acabou por gerar uma série de protestos e de ataques enfurecidos por parte de setores fundamentalistas cristãos, como o que aconteceu no Teatro Parisiense Saint Michel no mesmo ano, quando uma série de coqueteis molotovs foram arremessados em meio a exibição do filme, ferindo treze pessoas. O Vaticano, como era de se esperar, condenou a película considerando-o blasfemo, herético, incluindo-o no Index Librorum Prohibitorum. 

"A Última tentação de Cristo" (1988)

Outros tantos filmes poderiam ser citados. A lista não é de forma alguma pequena! Ainda hoje inúmeros filmes são condenados nessa listinha herética... O Index que tudo vê, e excomunga é claro!

Ass. Rafael Prata
Mestrando em História na Universidade Federal de Sergipe

sábado, 17 de janeiro de 2015

Calígula (1979): quando o que era para se tornar um "épico" se tornou o “pornô” mais famoso e polêmico da história do Cinema

1979. O aclamado romancista e dramaturgo Gore Vidal (1925-2012) escreve um roteiro para ser transposto para o Cinema. Tratava-se da história do famoso Gaius Caesar Germanicus, o famigerado Imperador Calígula do Império Romano.
         Tudo certo até o presente momento, pois o gênero épico e em especial a produção de películas voltadas ao Império Romano já haviam se tornado uma tônica de sucesso no mercado cinematográfico. No entanto, ao contrário das demais películas sobre o Império Romano, Calígula contou com total repúdio das empresas cinematográficas, dos diretores de renome em Hollywood, enfim, do alto escalão do cinema norte-americano.
    Tudo isso "graças" ao modo como seus pensadores desejavam retratar a ascensão e a queda de Calígula: através de um incontável número de cenas de sexo explícito, de masoquismo, bacanais, e etc. Obviamente que o grande filão do Cinema se chocou diante de tal roteiro e de imediato recusou-se a participar de tal empreitada.
         Não restou outra opção a não ser procurar “vias alternativas” para a realização do filme. O diretor procurado e escolhido foi o italiano Tinto Brass, conhecido a época por suas produções eróticas. Restava contar com o apoio de alguma produtora que pudesse patrocinar a realização do filme. Eis que a Penthouse, uma grande empresa do ramo pornográfico norte-americano, vislumbrou a chance de se projetar no meio do Cinema, patrocinando a um filme de grande relevo.

Tinto Brass: o "Rei" dos eróticos italianos nos anos 1970

         Firmou-se o acordo. Bob Guccione, criador e dono da Penthouse, passou a patrocinar a produção da película, e inclusive, também participaria ativamente de sua realização, ao filmar boa parte das cenas eróticas da mesma.

Bob Guccione: o magnata da Penthouse que financiara a película

         Calígula saiu do papel em 1979, e chegou as telas do Cinema em 1980. Resultado: um verdadeiro filme pornô com grandes estrelas do Cinema. Isso porque se diretores e produtoras haviam recusado a participação em sua produção, não foi o caso de algumas das maiores celebridades da época que acabaram aceitando o convite para participar de tão polêmico e controverso filme. Foram os casos, principalmente, de Malcom McDowell, um dos principais atores da época, que acabou por interpretar o próprio Calígula, de Hellen Mirren, que interpretou Milonia, a esposa de Calígula, e Peter O´Toole que interpretou Tibério.

O Poster de divulgação da película

         Sexo e Sadismo. São as palavras que podem resumir a película. Calígula e toda a conjuntura histórica e política do Império Romano acabam por ser drasticamente reduzidos a uma prática desenfreada de sexo no decorrer de todo o filme. Sem censura alguma, o filme trazia sexo explícito com cenas fortíssimas, desde os bacanais com uma enormidade de pessoas, passando pelas práticas mais sádicas possíveis, até chegar as relações sexuais incestuosas de Calígula com sua própria irmã.

Malcom McDowell e Hellen Mirren como Calígula e Milonia, respectivamente.

         A película, como era de se imaginar, acabou sendo rechaçada por toda a crítica especializada. Roger Ebert, o mais famoso dos críticos americanos, deu nota 0 ao filme, considerando-o um lixo indescritível. Outros tantos críticos reforçaram o fato de que possivelmente em todo o filme apenas 6 minutos de seus 150 minutos sejam de qualidade, estando o resto voltado aos bacanais e sadismos de Calígula e de toda a trupe romana.
         O curioso da recepção da película por parte do público se dá no fato de que muitas pessoas desavisadas no decorrer dos anos 1980 e 1990, no auge das locadoras de filmes, desconheciam o caráter essencialmente pornográfico do filme e assim colocavam-no na secção dos filmes de cunho histórico e/ou épico. Como consequência, ao alugarem a película, muitas pessoas tiveram o constrangimento de desconhecendo tal aspecto, convidarem uma gama de familiares para assistí-lo e se depararem então com a pornografia total da película, causando então um enorme desconforto não só para quem convidou mas para todos os convidados. E é claro, houve quem alugou a película sabendo de todo o seu conteúdo. 
     Polêmico, controverso. Sádico e escatológico. Calígula tornou-se um dos filmes mais paradoxalmente repudiados e “cultuados” da história do Cinema, justamente por toda essa, podemos dizer assim, “ousadia estética” e principalmente pelo furor causado em meio a sociedade.

Ass. Rafael Prata
Mestrando em História na Universidade Federal de Sergipe

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

[Músicas Históricas] “Hurricane” de Bob Dylan (1975)

Anos 1960. O jovem negro Rubin Carter despontava como um dos mais promissores boxeadores americanos daquele momento. Rubin era o “Hurricane”, o furacão dos ringues, sendo o favorito na luta pelo cinturão dos pesos médios em 1966, quando tinha 29 anos.
      No entanto, aquele dito ano de 1966 seria marcante não pela realização de um sonho, a concretização do talento de “Hurricane”, mas sim pelo fato mais triste de toda a sua vida, o qual acabaria levando ao precoce e forçado término de sua carreira: Rubin “Hurricane” Carter acabou sendo preso sob a acusação de assassinato.
      Hurricane Carter passeava com amigos pelas ruas de Nova Jersey, quando fora subitamente surpreendido pela policia. Acabou sendo condenado, junto com seu amigo John Artis, pelo assassinato de três pessoas. A prisão que foi feita calcada no evidente racismo, fez com que Carter, além de perder toda a sua carreira, ficar preso de 1967 a 1985, ou seja, 17 anos preso por um crime que não havia cometido.
      Posteriormente, uma campanha levada a cabo pelo maior boxeador de todos os tempos, Muhammad Ali, e por um dos maiores cantores e compositores da história, Bob Dylan, fez com que o processo de Carter fosse reaberto, e definitivamente, em 1985, o juiz que cuidou do caso decidiu que a prisão de Carter tinha sido feita “com base no racismo e não na razão”.
      Carter perdera assim boa parte de sua vida, e a chance de levar adiante sua carreira. Como uma homenagem mais do que justa, em 1993, Carter recebeu o Cinturão de campeão dos pesos médios de Boxe,
      Sua história ficaria marcada em muitas produções culturais. Bob Dylan, que participara ativamente da luta por sua libertação, produzira então a belíssima canção “Hurricane” em 1975, relatando toda a questão e o racismo sofrido por Hurricane.

       Vamos a música, que por si só conta a a história por completo:

Tiros de pistola ouvidos no bar
Patty Valentine entra pelo corredor de cima
Ela vê o bartender em uma poça de sangue
Grita, 'Meu Deus, eles mataram todos eles! '
Aqui vem a história do Hurricane
O homem que a policia veio culpar
Por algo que ele não fez
Colocado em uma cela, mas um dia poderia ter sido
O campeão do mundo

Três corpos deitados, Patty vê
E outro homem chamado Bello, se movendo misteriosamente
'Não fui eu, ' ele diz, e levanta as mãos
'Eu só estava roubando o caixa, espero que você entenda
Eu os vi saindo, ' ele diz e para
'Acho melhor um de nós chamar a policia. '
E então Patty chama a policia
E eles chegam no local com suas luzes vermelhas piscando
Na noite quente de New Jersey

Enquanto isso, em outra parte da cidade
Rubin Carter e alguns amigos estão dirigindo
Primeiro concorrente para a coroa de peso-médio
Não tinha ideia da merda que estava pra acontecer
Quando um policial o parou na estrada
Igual a outra vez, e antes disso
Em Paterson, é assim que as coisas são
Se você é negro, é melhor nem aparecer na rua
A não ser que queira chamar atenção

Alfred Bello tinha um parceiro
e ele tinha informações pra policia
Ele e Arthur Dexter Bradley estavam xeretando
Ele disse, 'Eu vi dois homens correndo
eles pareciam pesos-médios
Eles entraram num carro branco com placa de outra cidade'
E a senhorita Patty Valentine concordava com a cabeça
O policiail disse, 'Esperem, meninos, esse não está morto'
E eles os levaram para a enfermaria
E apesar do homem mal conseguir ver
Eles disseram que ele poderia identificar os culpados

4 da manhã e eles entram com Rubin
Eles estão nos hospital e o levam la pra cima
O homem machucado olha através de seu único olho
Diz, 'Pq vocês o trouxeram aqui? Ele não é o cara! '
Sim, aqui está a historia do Hurricane
O homem que a policia veio culpar
Por algo que ele não fez
Colocado em uma cela, mas um dia poderia ter sido
O campeão do mundo

4 meses depois, os guetos estão em chamas
Rubin está na América do Sul, lutando por seu nome
Enquanto Arthur Dexter Bradley ainda está no jogo de roubar
E os policiais estão o pressionando
procurando por alguém pra culpar
'Lembra daquele assassinato que aconteceu no bar? '
'Lembra que você disse que viu o carro fugir? '
'Você acha que gostaria de jogar com a lei? '
'Você acha que pode ter sido um lutador
que você viu correndo aquela noite? '
'Não se esqueça que você é branco. '

Arthur Dexter Bradley disse, 'Eu não tenho certeza. '
A policia disse, 'Um garoto pobre como você
precisa de um descanso
Nós vamos o culpar pelo trabalho no motel
e estamos falando com seu amigo Bello
Se você não quer voltar pra prisão, seja um bom menino
Você estará fazendo um favor a sociedade
Aquele filho da puta é valente e está ficando mais valente
Nós queremos pega-lo
Queremos o culpar pelo triplo assassinato
Ele não é nenhum cavalheiro. '

Rubin pode derrubar um homem com um soco só
Mas ele nunca gostou de falar sobre isso
É meu trabalho, ele dizia, e eu faço por dinheiro
E quando acaba, eu saio fora
Pra algum paraíso
Onde as trutas nadam e o ar é bom
E ando de cavalo por um trilho
Mas então o levaram para a cadeia
Onde tentam transformar um homem em um rato

O destino de Rubin já estava marcado há muito tempo
O julgamento foi um circo, ele nunca teve chance
O juiz fez as testemunhas de Rubin
parecerem bêbadas da favela
Para os brancos que assistiram
ele era um mendigo revolucionário
E para os negros, ele era só um preto louco
Ninguém duvidou que ele puxou o gatilho
E apesar de não terem achado a arma
O promotor disse que foi ele que atirou
E o juri de brancos concordou

Rubin Carter foi falsamente julgado
O crime era assassinato, adivinha quem testemunhou?
Bello e Bradley mentiram descaradamente
E os jornais, seguiram a onda
Como pode a vida de um homem assim
Estar nas mãos de um tolo?
O vendo incriminado
Não pude evitar sentir vergonha de viver em uma terra
Onde a justiça é um jogo

Agora todos os criminosos de terno e gravata
Estão livres pra beber martinis e ver o sol nascer
Enquanto Rubin senta como Buda em uma cela minúscula
Um homem inocente no inferno
Essa é a historia do Hurricane
Mas não vai acabar até que limpem seu nome
E devolvam o tempo perdido
Colocado em uma cela, mas um dia poderia ter sido
O campeão do mundo

Ass. Rafael Prata
Mestrando em História na Universidade Federal de Sergipe
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