Não
precisamos ratificar o óbvio: Jerry Lewis (1926-2017) foi um dos maiores
comediantes da história do cinema. Seus inconfundíveis personagens, sempre marcados
por suas condutas desastradas e por nutrirem sempre uma profunda ingenuidade
diante das mazelas e das corrupções do mundo, marcaram o gênero da comédia
cinematográfica, principalmente durante as décadas de 1950-1970. Filmes como “O
Mensageiro Trapalhão” (1960), “O Terror das Mulheres” (1961), “O Professor
Aloprado” (1963), dentre outros, obtiveram um enorme sucesso de crítica e de
público, alavancando ainda mais o sucesso de Jerry Lewis como um dos maiores cômicos
de sua época e certamente de toda a história do cinema.
Jerry Lewis em "O Professor Aloprado" (1963) |
A emergência dos anos 1970 traria, no
entanto, a ocorrência de um acontecimento marcante na carreira de Lewis: o
arquivamento de um filme por vontade própria.
Tudo começou quando Lewis, no auge,
passou então a procurar roteiros de filmes que fugissem bastante de tudo aquilo
que havia produzido, dirigido e atuado em sua carreira. Como consequência desse
expediente, o comediante acabou entrando em contato com um argumento fílmico produzido
por Joan O´Brien e Charles Denton, sob o título de The Day the Clown
Cried, em suma, O Dia em que o Palhaço
Chorou.
Ao ler o argumento, o comediante não
teve dúvidas: se trataria de algo inédito em sua carreira. Até então acostumado
com a produção de comédias urbanas, o
comediante então vislumbrara a oportunidade de produzir e atuar em um filme de
comédia dramática ambientada em um contexto histórico recentemente vivenciado.
Tratava-se da possibilidade de
reprodução da história de um palhaço chamado Helmut Doork que, vivendo durante
os anos da Segunda Guerra Mundial, acaba sendo confinado em um campo de
concentração após efetuar gozações frente à figura de Adolf Hitler. Não
satisfeitos com a punição, os chefes do campo de concentração impõem como
função primordial desse palhaço, o dever de entreter as crianças judias em seus
percursos até as câmaras de gás.
Empolgado com a possibilidade de
rodagem deste filme que alteraria os rumos de sua carreira, o comediante Jerry
Lewis passou então a se preparar para a atuação, passando então a visitar
alguns dos campos de concentração do regime nazista, como o de Aushwitz e
Dachau.
Jerry Lewis durante a gravação de O Dia em que o Palhaço chorou. |
Tudo estava preparado. O Filme passou a
ser rodado então a partir do ano de 1972. Porém, com o passar dos dias de
filmagem, o comediante Jerry Lewis acabou sendo acometido de um forte
sentimento de arrependimento. Passou a considerar uma “péssima ideia” a
realização da película em questão. Como tratar de um tema tão dolorido como o
holocausto por meio da comédia?!
O filme foi então abruptamente
interrompido e arquivado por Jerry Lewis. À vista disso, se tornou também uma
espécie de “assunto proibido” nas entrevistas e conversações travadas perante o
comediante. Em uma entrevista recentemente dada, em 2013, no Festival de Cannes,
o comediante Jerry Lewis, quando indagado sobre a misteriosa e inacabada
película, respondera que: “É mau, mau, mau. Poderia ter sido poderoso, mas
escorreguei”.
A desilusão de Jerry Lewis com a
película se fazia de tal grandeza que o próprio proibiu a sua reprodução
durante a sua vida. Mesmo após ceder uma cópia do filme a Biblioteca do
Congresso dos Estados Unidos, Jerry Lewis determinara que o filme somente
poderia ser aberto ao público após dez anos de sua morte.
Jerry Lewis durante a realização do filme. |
Jerry Lewis falecera em 2017, aos 91
anos de idade, por conta de uma doença cardiovascular. É possível que em 2027
tenhamos a oportunidade de assistirmos a esta tão polêmica obra cinematográfica
produzida pelo comediante em questão.
Há quem diga que o que Lewis fizera
não se distanciara do que Roberto Benigni orquestrara no seu “A Vida é Bela”(1997),
quando o diretor e ator se utilizara da comédia para contar a história de um
pai que procura, a todo custo, criar um ambiente lúdico de jogos e brincadeiras
para o seu pequeno filho, a fim de distanciá-lo dos horrores da guerra.
O Dia em que o Palhaço chorou. |
Resta aguardar o ano de 2027. Mas fica
a pergunta em questão: é possível trabalhar temas tão profundos, complicados e
doloridos através do artifício da comédia? Trata-se de um erro? Uma falta de
respeito? Ou não?
Ass.
Rafael Prata
Doutorando
em História na Universidade Federal de Mato Grosso