domingo, 30 de maio de 2010

O Cinema Verdade de Eduardo Coutinho.


O documentário “Cabra marcado para morrer” é de autoria do cineasta Eduardo Coutinho e posiciona-se como uma das obras cinematográficas mais importantes sobre as reminiscências e ações da ditadura militar no país. Paulista, nascido em 1933, Coutinho tem uma larga formação em cinema e também em jornalismo, tendo estudado na França o curso de direção e montagem no IDHEC, o Instituto de altos estudos cinematográficos, onde ele realizou seus primeiros documentários. Quando voltou para o Brasil, Coutinho bastante influenciado pela escola francesa do “Cinema Verdade” integra-se na CPC da Une que eram centros populares de cultura com objetivo de levar a cultura às massas e despertar a consciência política do povo utilizando-se da arte e da informação para esses fins. Assim, desenvolve vários curtas e medias metragens como “O pistoleiro de Serra Talhada” de 1976 e “Portinari, o menino de Brodósqui” de 1980, todavia sua obra de indiscutível destaque e que o torna reconhecido internacionalmente é “Cabra Marcado para morrer” que lhe trouxe inclusive muitos prêmios como o FIPRESCI no Festival de Berlim do ano de 1984, entre outros 12 prêmios em festivais internacionais, reconhecendo o seu exaustivo trabalho para a concretização desta obra que após interrupções e perseguições conseguiu concluir ainda que contraditoriamente a linha do filme tenha seguido outra tendência.

Em " Cabra Marcado para morrer", percebemos o auge de um Eduardo Coutinho que não se preocupa com imagens positivas, adotando um olhar mais cru sobre a realidade e que opta por uma visão popular da história. A estética assim nesta obra não importa, o que vale realmente é retratar o popular, o povo comum, a memória do passado oprimido. Não há preocupação em fazer locações em ambientes que causem boa impressão e sim em locais corriqueiros, populares, como a porta de casa de uma velha senhora, uma rua movimentada popular, um ponto de encontro de idosos em uma velha casa e etc. Dessa forma é o povo quem fala, é o escarro proveniente da expectoração do velho e forte João Virgínio da Silva que é filmado e demonstrado na obra mostrando a diminuta preocupação do cineasta com a estética e sim a sua preocupação com o caráter popular e realista para seu projeto. Quanto à composição da obra enxergamos uma ruptura cronológica, onde também não há um roteiro prévio para a execução do filme e o cineasta acaba por revolucionar o cinema com uma nova conduta onde o diretor explica e toma parte nos fatos, ele participa da história mostrando o que acontece e o que pode de ser feito. Ele também é um sujeito desta história, pois desde o momento inicial do filme, Coutinho esta lado a lado dos participantes da saga retratada no filme inclusive tornando-se um leve amigo destas pessoas e alicerçando assim o seu compromisso para com elas.

Em relação ao enredo da obra, o filme teve um desenlace que mudou os rumos do que viria a ser esta obra. Inicialmente locado em 1964, seria um filme sobre o assassinato do líder camponês João Pedro Teixeira e a saga de sua família utilizando-se de pessoas comuns para serem atores desta história. Porém com o golpe de 1964, o filme foi interrompido porque tanto o cineasta como os personagens desta história passaram a ser perseguidos com a evasiva de serem comunistas paralisando a filmagem por 20 anos, voltando-se apenas em 1984 a retomada da filmagem, todavia com um novo viés. Agora o filme passou a ser um documentário onde o diretor busca os personagens da época e procura entender o que se passou com eles, como vivem e suas opiniões sobre tudo, e em especial ele quer saber o que se passou com a viúva Elisabeth Teixeira, foco deste segundo momento do filme, e assim recriar sua identidade perdida naqueles tempos já que até o momento em que Coutinho a procurou e a encontrou ela vivia com outro nome, deixando assim de lado um passado de lutas que vivia no seu nome.

Assim, por meio de várias entrevistas, o cineasta e seu companheiro vão como andarilhos por todas as localidades onde os fatos se apresentaram, entrevistam personagens vivas daquele tempo e com isso pretende acima de tudo não deixar que aquele passado pereça caindo na vala do esquecimento, que o oprimido não deixe de ser personagem da história.
Dessa forma mergulhado na sua estética do “Cinema Verdade”, Coutinho se insere na sua própria obra, foge de estereótipos e a realiza de acordo com o que os fatos lhe aparecem, construindo uma obra que revela uma emoção muito forte tanto no teor das entrevistas, acontecimentos, como no decorrer dos fatos que a história traz como a tentativa de unir novamente Elisabeth a seus filhos que foram dissipados durante seu período de exílio. Carregado de emoção, o documentário não visa apenas relatar os fatos do ponto de vista meramente informativo e sim dar uma característica mais real, entender os sentimentos de cada personagem, mostrar a face humana de quem lutou, na tentativa de não se tornar um filme basicamente factual.

Enfim, muito se tem a falar de uma obra de dimensão tão grande e representativa e que em 120 minutos de película existem ocultas muitas lutas para a sua realização, para a sua filmagem e que se difere dos outros documentários por este colocar o povo como personagem e voz de sua própria história. O próprio cineasta e sua equipe acabam por metaforizar o sentimento da opressão sofrida e que por isso estão intimamente ligados a historia identificando-se com o povo. Coutinho mostra-se um homem ativo da história, que não deixou morrer seu projeto no esquecimento de uma sala, como o narrador mesmo explica sobre a prisão do antigo rolo de filmagem do filme, e que por meio desse passado, explica esse passado, se coloca nesse passado, e ajuda a entender este presente e que pode auxiliar na luta, como podemos resumir muito bem nas palavras da própria Elisabeth Teixeira no desfecho da obra onde ela diz resumidamente que enquanto houver povo envolvido com situações precárias existirá sempre a luta. E é esse um dos principais méritos do filme de acordo com o meu juízo que é restaurar a imagem de luta popular e mostrar que houve luta e que este forte lutador nunca cruzou os braços, mesmo que muitos acreditem que isso ocorreu.

Assim o documentário “Cabra Marcado para morrer” representa o dever de Coutinho diante da história, sua cumplicidade em levar a voz do povo ao conhecimento de todos. Com seu jeito simples e agradável e altamente popular, Coutinho carrega sua câmera para os ambientes onde percorre, e por ambientes onde ninguém havia desejado retratar, tornando-se o instrumento de representação do povo e esta tarefa por sinal ele desenvolve com muito esmero. O Povo, assim, teve direito a fala.

Eduardo Coutinho, um jornalista das Ruas.


Ass: Rafael Costa Prata
Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe.

terça-feira, 18 de maio de 2010

O Retorno de Martin Guerre.


Antes de abordar o filme e a sua temática envolvida, é necessário destacar a grande importância e as frutíferas contribuições da historiadora Natalie Zemon Davis para o campo da História.

Natalie Zemon Davis é uma renomada historiadora americana, com grande destaque no estudo da Era Moderna.

Enfim,no ano de 1982 acabou sendo convidada para participar e elaborar, a partir de seus estudos, um roteiro para a filmagem do filme " O Retorno de Martin Guerre". Fato é que seu roteiro, suas analises e interpretações acabaram tornando-se, além do filme, uma obra de alcance e sucesso mundial, cuja analise da história tentarei prosseguir adiante.

Comecemos:

O Romance histórico “O Retorno de Martin Guerre”, escrito por Natalie Zemon Davies é resultado de uma tentativa de contar fidedignamente este caso histórico surpreendente e fora dos padrões, tanto é que chegou até os nossos dias com a mesma surpresa que o tornara conhecido mundialmente.

Inicialmente, a escritora nos informa que o trabalho da escrita do livro foi realizado utilizando-se as informações disponíveis sobre o caso, principalmente relatados no “Arrest Memorable” do jurista Jean de Coras e do também magistrado Le Suer. Porem, como a própria afirma, há pedaços da história que não podem ser constatados, logo, a própria nos deixa claro que em alguns incertos deixaria a sua imaginação fluir, procurando respostas apropriadas ou possíveis de acordo com a personalidade de cada personagem.

O Trabalho é assaz importante até porque a literatura camponesa medieval (e princípios de era moderna) não é facilmente retratada, haja vista que a grande maioria da população camponesa era desprovida do poder da escrita, e assim, conseqüentemente do poder de deixar a sua marca na história. Acontece que a maioria dos relatos sobre os camponeses são marcados nas chamadas “obras de comedia”, sempre certos estereótipos onde se enxerga uma lição de moral envolvendo coisas engraçadas e sublimes, porem a maioria sempre com final feliz.

Poucos são os casos onde o proprio camponês deixa a sua biografia escrita. Se nos deixa, é sinal que já não é tão camponês, e que já ascendera um pouco em sua vida.
Contudo, a principal fonte de informações acerca da vida camponesa, vai se dar por um meio não muito feliz: Os documentos judiciários. São neles, onde os escritores vão buscar relatos de casos da época, para procurar encontrar a profundidade do período. Temos aqui então nesta obra, um caso típico desta literatura. Assim, tanto "O Retorno de Martin Guerre", como também a obra “O queijo e os vermes” são frutos de trabalhos intensivos sobre tais anais da justiça.

Porventura quem ainda não leu a obra, não siga adianta na leitura desta postagem, haja vista que contarei todo o processo da história, mas caso contrario, sugiro a leitura de forma que possibilite o interesse da leitura posterior, como também o gosto pelo filme.

O livro narra à história do camponês Martin Guerre. Nascido no Hendaye na região basca, acabou mudando-se muito cedo com seus pais para a região de Artigat no Languedoc, região francesa. Sua família basca possuía uma forte personalidade, típica do local. Chegando ao Artigat, a família se instalou e comprou terrenos onde foram desenvolvidas atividades da agricultura e a principal fonte da família que eram as olarias.

Martin tivera uma infância atribulada. Não era fácil ser basco e seguir a forte e rígida formação de sua família naquele ambiente.Certo dia um fato iria mudar sua vida. Seus pais, seguindo a tradição, arrumaram-lhe uma esposa de “ boa família” para que as regiões de ambas as famílias fossem unidas. Então, Martin foi "convidado" a casar-se com Bertrande de Rolls. Eram muito novos. Martin tinha basicamente 14 anos, e ela era ainda mais nova. Casados, Martin não conseguia se adaptar a vida, e acima de tudo, não conseguia ter relações com a sua esposa, enfim foi dado como impotente.

Foram 8 anos sem nenhuma relação com a esposa,sofrendo grandes martírios dentro da comunidade em que vivia. Sua família acreditara que tivesse sido vitima de um feitiço.Assim sendo, uma velha feiticeira tratou de fazer um ritual sobre ele, e assim, conseguiram ter sua primeira relação, que acabou engravidando a esposa,dando origem ao filho chamado Sanxi Guerre. Porem mesmo assim Martin não gostava daquela vida de trabalho no campo e nas olarias. Era um jovem, queria conhecer o mundo. Seu pai nunca permitira que ele se aventurasse. Guiado por seus impulsos, acabou roubando uma saca de grãos o que forçou a seu pai a repreende-lo severamente pois segundo a tradição basca, o roubo era algo inadmissível. Assim, conseguira um álibi para sua fuga. E fugiu.

Foi para a Espanha, onde lutara pelas forças espanholas contra a França, lugar de onde vira. La conseguiu um emprego depois de servir ao exercito, na casa de um cardeal, também em um mosteiro, onde fortalecera a sua fé católica. Porem tragicamente acabara sendo ferido, e tivera uma perna amputada, onde colocaram-lhe em substituição uma perna de pau.

Em Artigat, Bertrand de Rolls seguia a sua vida esperando a volta de Martin Guerre. Mantinha a pureza e a esperança que um dia ele pudesse retornar. Segundo os direitos canônicos, ela não poderia se casar novamente, teria que esperar até que o marido retornasse. Caso desejasse se separar, podia tentar provar a sua morte, o que poderia lhe garantir a separação, mas preferiu esperar.

Chegamos então a personagem mais significativa de toda a história. Personagem que desperta as maiores duvidas e incertezas até os nossos dias. Um homem chamado Arnaud de Tihl, ou vulgarmente conhecido como Pancette.Dado a boa vida, as bebidas e a luxaria, vivia perigando entre os lugares. Era um gênio da persuasão e da memória. O melhor ator e vigarista que se poderia ter no momento. Certa vez estava ele vagando quando dois soldados o indagaram se era ele Martin Guerre,aquele camponês que fugira,respondera então que sim, resolvendo então usurpar a vida daquele ser.

De fato eram imensamente parecidos. Percebendo então a grande chance, partira Pancette.

Aqui devemos entender que não se pode afirmar com certeza, se Pancette, antes de entrar em contato com estes dois soldados, tivera algum contato real com Martin Guerre durante a guerra,haja vista que Pancette havia lutado pelo exercito francês, mas assim vemos que ambos lutaram então por exércitos opostos.Mas caso tenham tido, Martin poderia ter contado tudo sobre sua vida, e este experto Pancette acabara interessado e impulsionado a trair esta amizade. Mas não é uma certeza este encontro. Também Pancette ficou sabendo de coisas da região através dos relatos dos dois soldados que o confundiram com Martin Guerre. De fato, esta questão é bastante polêmica no decorrer de toda a questão : Pansette sabia tanto, que suspeitavam até, durante o seu processo, que fosse demoníaco, o diabo lhe informava tudo.

Partira Pancette pra a sua nova vida. Chegou em uma hotelaria em Artigat onde o Reconheceram prontamente como Martin. Foi recebido com muito amor em Artigat, sem que ninguém suspeitasse de nada.Ao primeiro encontro com Bertrand, acabara se apaixonando.Vivera bem com toda a família por quase 3 anos sem que nada lhe perturbasse.

A grande e essencial questão polêmica centra-se na personagem Bertrande de Rolls: Sabia ela que aquele era um farsante ou não?!. Tornou-se cúmplice dele?!.
Alguns estudiosos da época afirmam que ela não poderia saber pois " o sexo feminino é frágil e se deixa seduzir". Talvez, na minha opinião, sabendo ela que estava feliz com este, e aquele outro a abandonara, resolvera então torna-se cúmplice para a sua própria felicidade.

Até que um dia Pancette pisou no proprio pé. Resolvera pedir ao tio Pierre Guerre as contas de suas propriedades que ficaram em seu nome. O Tio que talvez ate aquele momento estranhasse o tal sobrinho, mas que nunca agira pois a vida era calma, sentiu-se ofendido. Passou então a recordar-se então de tudo de estranho naquele novo ser: O fato deste regresso Martin desejar vender algumas terras da família, fato inadmissível na cultura basca, pois se passava de geração em geração, entre outros tantos fatos que lhes pareciam inexplicáveis para alguém que tivesse origem basca.

Assim instalou-se o conflito. Pierre Guerre convencera a boa parte da aldeia que aquele homem era um impostor, que queria usurpar a propriedade da família e também maculá-la. Pancette se defendia dizendo que era uma calunia do velho tio, pois este não queria lhe devolver o que lhe era de direito. Então, foram parar na Justiça.

No âmbito familiar, Bertrande ficara do lado do marido. As irmãs de Martin também apoiavam ao suposto Martin.Na aldeia, estava meio a meio, talvez até acreditassem mais em Pancette que no senhor Pierre Guerre.

O grande e renomado Jurista Jean de Coras partira para Artigat onde julgara todo o processo. Convencera-se então que o falso Martin era inocente. Durante este processo primário, as principais acusações eram:

- Pierre Guerre afirmava que aquele era um impostor. Afirmava que o sapateiro da comunidade podia provar a farsa, haja vista que o pé daquele Martin era menor que o do verdadeiro Martin. Também haviam os dois soldados que afirmavam que aquele era um vigarista chamado Pancette.

- Enquanto isso, Pancette se defendia com grande eloqüência, provando a todos com relatos e memórias que era o verdadeiro Martin Guerre.

No fim, Foi absorvido.

Contudo, inconformado, Pierre Guerre invadira a casa de falso Martin mostrando-lhe um documento na qual se via que ele seria julgado no Supremo Tribunal de Toulouse. E desta vez a situação era absolutamente terrível, pois a própria esposa teria contribuído, ao ter assinando também o documento de acusação. Porem sabia ele, que esta assinara forçada, por pressão do tio.

Seguiu preso então para Toulouse. Lá começou os julgamentos da mesma maneira. Conseguia a cada dia com suas lembranças, provar aos juristas, e em especial Jean de Coras, que era inocente. Pierre Guerre entrava assim em apuros, e podia ser processado e preso por calunia. Os julgamentos se seguiam, e a inocência seria decretada, até que no fim de toda a ação, aparecera no Tribunal um homem, andando calmamente e lentamente, com sua perna de pau, exigindo o direito a fala.

Era o Retorno do verdadeiro Martin Guerre.

Pansette ficara inicialmente assustado, mas se controlara. E com grande eloqüência conseguia ate dialogar melhor com os juristas, provando com lembranças e memórias, com mais perfeição que o proprio Martin,acusando-o de ser um farsante a serviço de seu tio.

Contudo a estratégia de Pancette acabaria findando ao fracasso.Em uma cartada final, os familiares, inclusive Bertrande, reconheceram aquele homem da perna de pau, como o verdadeiro Martin que havia ido embora anos antes.

Pansette, então sem alternativas, percebeu que o jogo estava acabado,admitindo então a sua real identidade: Arnaud de Tihl.

Foi condenado a morrer na forca por ordem de Jean de Coras para servir como exemplo. Seus despojos foram queimados. Mas antes de morrer passou por um suplicio de perdão. Caminhou pedindo perdão a todos os que conhecera naquela comunidade,até que a frente da casa dos Guerre, onde foi montado o palco de sua morte, foi enforcado e queimado.

Acabara assim a história de usurpação do experto Arnaud de Tihl.

Algumas considerações interessantes, e todavia não únicas, podem ser explicitadas sobre o contexto da obra, como também retratadas no filme:

- Em todo o decorrer do livro subentende-se uma intenção da autora em demonstrar como o Protestantismo começava a se fortalecer na Europa, e não somente nos meios mais abastados como também possivelmente nas camadas camponesas.
Em vários momentos do livro, a autora afirma da posição religiosa controversa de Jean de Coras. Era católico mas tornara-se protestante. Talvez Bertrande de Rolls e Arnaud de Tihl também tivessem se convertido ao Protestantismo.
O verdadeiro Martin Guerre contudo era muito católico, devido ao convívio intenso com cardeis e em mosteiros na Espanha.

Assim torna-se subentendido um enlace subliminar e característico do período em destaque: O PROTESTANTISMO REFORMANTE X CATOLICISMO CONSERVADOR.

- A autora expõe que pelos transmites da Reforma Protestante talvez a história e o fim de Pancette teriam tido um fim diferente. Durante o proprio julgamento foi afirmado que Martin tinha a sua grande culpa na história ao fugir e abandonar Bertrande e sua família.
Bertrande de acordo com tais leis reformantes poderia obter um novo casamento, sendo provada a ausência daquele. Também afirma Jean de Coras em seus registros, que talvez aquele casamento juvenil nunca teria sido efetuado devido a extrema juventude de ambos. Assim eram as leis rígidas do casamento no Catolicismo, contra as leis mais flexíveis do Protestantismo.

- Menção ao fim trágico do controverso Jean de Coras, que descoberto protestante, acabara enforcado e morto durante o massacre de São Bartolomeu, onde inúmeros protestantes acabaram massacrados. Este mesmo Jean de Coras, havia se identificado bastante com Pancette. Talvez por saber que aquele também era um protestante, e mais ainda por sua inteligência e eloqüência lingüística e retórica. De fato, tinham algumas coisas em comum.

Para finalizar, de fato tanto o filme como o livro se correspondem. Uma serviu de roteiro para a outra, e mostram uma surpreendente história. Um relato de um caso cheio de duvidas, suposições, interpretações e de um sucesso que chega até os nossos dias.

Seria Bertrande de Rolls uma ingênua mulher? Ou era muito experta e sabia desde o principio? Qual a culpa do verdadeiro Martin Guerre? Pancette teria se redimido da vida errante ao se apaixonar por Bertrande e assumir aquela vida de alguém que outrora havia fugido?

Enfim, muitas dúvidas e posicionamentos surgem. E talvez seja este o grande mérito tanto da obra como de toda a história: A infinidade de dúvidas,posicionamentos e a certeza que nesta história, não há uma verdade absoluta.

Um Conselho ? A leitura do Livro e um olhar direcionado ao Filme.

Nesta obra, fica muito claro como a História, a Literatura e o Cinema, podem dialogar em conjunto, apresentando então o Cinema, em confronto com o conhecimento historiografico, como um elo possivel e muito importante para o campo da História.

Ass: Rafael Costa Prata

Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe.


domingo, 16 de maio de 2010

Entrevista com Marc Ferro.


Uma vida dedicada ao estudo das imagens:

Nas fronteiras entre o Cinema e a História.

A relação Cinema-História em foco.

Em jogo, o ensino da História.


"Nos últimos anos, Marc Ferro tem dividido sua vida entre as aulas que profere na Universidade de Paris, o programa semanal que produz e apresenta na televisão francesa- chamado História Paralela - e em conferências para estudantes de diversos países, o que o leva a viagens contantes por todo o mundo.

Em uma dessas viagens, Marc Ferro esteve no Brasil, em reuniões nas capitais Salvador , São Luiz e Brasília. Foi durante a sua passagem por Salvador (veja notícia) que Ferro concedeu esta entrevista, após uma tarde em que passeou pela cidade e uma apresentação para aproximadamente cem pessoas no período da noite. Na entrevista, Ferro fala da relação Cinema-História, da Revolução Russa - um de seus primeiros objetos de pesquisa, a partir do qual percebeu a importância das imagens para o estudo da História - e da crescente especialização das ciências - uma de suas novas preocupações de pesquisa.

Com Ciência - Desde o início de suas pesquisas com o cinema o papel das imagens aumentou. A importância das imagens na historiografia aumentou proporcionalmente?
Ferro - A imagem há 30 anos se achava ignorada por todos e tinha um pequeno papel. A imagem do cinema, e não as pinturas, que já eram estudadas. Hoje as imagens estão em todos os lugares, mas não existe muita gente que as estuda, eu penso, sobretudo a imagem do cinema e a imagem da televisão. E muitos dos que as estudam são especialistas em comunicação mas não tem uma visão histórica, tem uma visão muito mais comunicacional e técnica do que histórica.

Com Ciência - Durante muito tempo o cinema foi estudado tomando por base a teoria dos autores, tomando-os como os responsáveis quase totais pelos filmes. Recentemente, essa teoria foi contradita por certos pesquisadores americanos que trouxeram à luz a influência do sistema de estúdios...

Ferro - Esses são estudos sobre cinema feitos por gente de cinema. o Cahiers du Cinema, onde surgiu a teoria dos autores, foi feito por cineastas. E depois por críticos que se transformaram em cineastas. É uma crítica de dentro. O Cahiers glorificava os autores porque eles mesmos eram autores. Mas esses são estudos do interior do mundo do cinema e não do exterior desse mundo.

Com Ciência - O senhor fala em sua pesquisa em analisar nos filmes aquilo que não se queria mostrar, informações que escaparam. Não é importante também a análise daquilo que o cinema quer mostrar, já que é um aparelho ideológico, produtor e reprodutor de discurssos?

Ferro - O que os autores querem mostrar é muito fácil de ver. Eles dizem diretamente, nos comentários de jornais, etc. O que é interessante é você captar aquilo que ele deixou escapar. Por exemplo, eu vou citar um exemplo simples. Um filme armênio, que quer mostrar a resistência de um camponês à coletivização stalinista. Estamos em uma pequena aldeia, mas o que o cineasta quer mostrar é a abnegação de um camponês no interior desse kopov. No entanto, filmando ele nos mostra o que é um canteiro armênio. Eles são sempre redondos, com muitas pedras dentro. Isso eles não queriam mostrar, não era o objetivo do filme. Mas é o único lugar através do qual podemos observar o que é um verdadeiro canteiro armênio. Isso é que é mais interessante.

Com Ciência - O senhor disse ontem aqui que no momento está estudando a ciência e os problemas da especialização. A partir do diagnonóstico dos problemas causados pela crescente especialização o senhor vê caminhos para superá-la?

Ferro - É preciso ter visões globais. Épreciso ter visões de globalidade e depois especializar-se. Quando somos especialistas, é preciso voltar às visões globais e quando temos visões globais percisamos voltar à especialidade. É preciso mudar de especialidades o mais seguidamente possível.

Com Ciência - Como um pesquisador da Revolução Russa, revolução que depois desdobrou-se em um governo autoritário, como o senhorr vê as aproximações que alguns pesquisadores fazem entre o stalinismo e o nazismo?

Ferro - Isso é um enorme problema. Vou dizer apenas duas ou três coisas. Os crimes dos dois regimens são completamente excepcionais. No entanto os objetivos dos regimes eram inversos. Mas essas duas observações são banais, porque esses dois regimes se pretendiam adversários. Se quisermos mostrar que eles foram iguais, isso é falso. Mesmo se existia um único partido. Existem fatos mais importantes, por exemplo o regime soviético destruiu as instituições sociais, ele colonizou os sindicatos, ele destruiu as associações privadas e etc. Mas em compensação o regime nazista guardou as instituições sociais, quer dizer, a sociedade alemã participou mais ainda do crime que a sociedade soviética, porque ela permaneceu intacta, o exército ficou intacto. Não foi o caso na União Soviética, onde o exército foi transformado. A medicina ficou intacta na Alemanha e não na Rússia e portanto a medicina participou do crime. A participação da sociedade organizada alemã foi muito grande em relação ao crime, maior do que na Rússia."

Fonte: http://www.comciencia.br/especial/cinema/cine04.htm

Os Tempos Modernos de Chaplin.



É de imprescindível importância, antes de entrarmos em contato direto com o filme analisado, que executemos um breve relato sobre o empreendedor de tal obra, o cineasta, diretor e acima de tudo gênio Charles Chaplin, com o perdão da inclusão da minha humilde opinião. Primeiramente, o que venho a constatar é que a analise de qualquer película criada por Charles Chaplin sempre por mim será feita de forma apreciativa, haja vista que tenho uma grande admiração por esta pessoa, mas que sem duvidas tentarei ser o mais objetivo e imparcial possível, tendo em vista que a imparcialidade é utopia, e tendo em conta que a genialidade e a apreciação geral das obras chaplianas independem dos meus elogios e das possíveis criticas, que inexistem e não tenho capacidade a fazê-las, sobre suas obras.
Nascido em 16 de abril de 1889 em Londres e tendo como falecimento a data 25 de dezembro de 1977, Charles Chaplin, ou Charlie como era costumeiramente chamado, teve em seus 88 anos de vida uma intensidade artística que seria até um pleonasmo enumerar neste exato momento. Algumas de suas obras mais conhecidas, por exemplo, são: “O garoto”, “O Grande ditador”, e “Tempos modernos”, para não citar outras tantas. Nestes anos de vida, de infância sofrida ao estrelato, encarou varias imposições, obstáculos, como a doença de sua mãe, as dificuldades econômicas em sua infância e acima de tudo a sua proibição de frequentar os Estados Unidos por ser considerado um sujeito subversivo, um suposto comunista pelas autoridades americanas, tendo que exilar-se na Suíça, somente sendo novamente recebido nos EUA nos seus momentos finais de vida quando recebeu um premio de honra da academia americana de filmes, um reconhecimento tardio e digo até oriundo de arrependimentos por tal exílio. Enfim, foi um sujeito de personalidade forte e marcante, cuja presença de pensamento persiste até os dias atuais, caso contrario não seria tido como um dos Magnum-opus do cinema, e da humanidade, considero eu por sua extrema inteligência, força e coragem.

Bom, vamos ao que interessa: O Filme “Tempos Modernos”. Rodado em 1936, o filme ambienta-se numa nova organização social oriunda da maciça industrialização em que se encontrava o mundo. É necessário entender que o filme é locado nos Estados Unidos que vivia um período conturbadíssimo oriundo da crise da bolsa de valores em 1929 e o país ainda buscava soluções para esta crise que causou desempregos, miséria, suicídios e etc. Charlie Chaplin assim buscou entender e ler o meio em que estava ambientado, e na sua obra soube retratar com sagacidade a realidade em que vivia o mundo pós-crise e acima de tudo espelho da força industrial. É neste contexto que vai girar toda a história central do filme.

Inicialmente nos deparamos com uma ampla visão do mundo novo enraizado na cidade de Nova York, com a acelerada industrialização e a consequente e desenfreada urbanização, fenômenos que feitos de forma intensa e egoísta acabam não respondendo a altura a respostas necessárias a vida de todos, ocasionando miséria, desempregos, marginalidade, e outros tantos problemas ocasionados por tal insano processo.
Assim, Carlitos, é logo retratado em ambiente fabril, em suas atividades habituais de proletário. Interessante ressaltar que nos momentos iniciais do filme retratam-se com bastante ironia, mas sempre com muita fidelidade e coerência algumas características marcantes das indústrias, como a eterna fiscalização por parte do empresário em relação aos seus empregados, como percebemos nas hilárias cenas em que os proletários estão desempenhando suas tarefas e repentinamente por meio de um telão o seu chefe aparece para lhe repreender ou para dar uma ordem urgente. Mostra-se toda a estrutura fabril, maquinários, sistema de montagem e categorização de funções.

É neste contexto que nosso Carlitos aparece. É um simplório proletário que desempenhando a sua função de apertador de porcas acaba ganhando um tique nervoso que o acaba levando a problemas e momentos de constrangimento, haja vista a cena memorável quando Carlitos em um momento de torpor acaba entrando no interior de um maquinário causando um susto nos seus colegas de trabalho, porem voltando ileso deste momento, mas desde já mostrando os perigos que o proletariado sofria com a falta de proteção em suas tarefas. Desta forma, é retratada a “contemporânea” divisão social do trabalho, onde cada qual desempenha a sua função exclusiva não fugindo de forma alguma desta. Fato é que relatado tais processos do trabalho, conjecturo se em tais indústrias a divisão social do trabalho acaba por levar a uma maior especialização do individuo, no tocante ao mais complexo significado do termo, se esta nova forma de agir o leva a melhorar, a crescer, ou acaba tornando-o como a uma simples engrenagem de todo um complexo. O Sociólogo Emile Durkheim explica com clareza que com a divisão do trabalho os seres passam a ter uma solidariedade regida pela interdependência econômica e que agora cada um tem a chance de desenvolver mais seu individualismo e entender a importância do outro ser ao teu lado e etc.

Concordo, de fato é assim, porem refleti por algum tempo buscando enxergar se nesses complexos fabris, onde o ser humano é reduzido a um botão on/off, onde apenas aperta uma tecla, afrouxa um parafuso, enfim, se em tais locais ele se vê possibilitado de desenvolver tal individualismo, de fortalecer a sua personalidade, de crescer dentro de suas tarefas e principalmente de criar amor a sua tarefa, sua função.
Bom, de fato, na sociedade contemporânea nas atividades liberais é evidente uma maior especialização e capacitação de qualidade, de escolhas, do “eu sou o que faço porque a escolhi e me aperfeiçoou dentro da minha vontade” levando a um maior individualismo de tarefas, enfim de um encaixe mais direto na sociedade, com raras exceções é claro. Mas não era esta a realidade do mundo nos anos 30, pós-crise, onde Carlitos era um proletário até por não compreender ou por obter chances de buscar entender se tinha como desempenhar outra tarefa na sociedade, até por que parar para pensar custaria até o tempo de cair na miséria, assim era mais pratico entrar numa indústria, virar um proletário e seguir o sistema. E Carlitos era esmagado pelo sistema. Como todos eram.

Carlitos desempenha a sua tarefa, tem sua vida social limitadíssima, e acaba sempre estando em apuros. É entendido como um comunista e é logo preso em uma cena de extrema inteligência na criação e na colocação da bandeirola, e por durante toda obra percorre vários empregos, sendo preso também por todos os momentos em que se coloca em alguma “confusão” ou mal entendido. Na prisão, alias, é de extrema importância relatar uma acida e realística critica de Chaplin em um momento de conversa quando Carlitos estava por ser libertado e pede ao guarda da prisão que o deixe permanecer, pois “Me sinto tão bem aqui”, e o guarda o responde com um simplório sorriso. Acaba por ser uma resposta ao mundo contemporâneo feito por ele, à selvageria do dia-a-dia, a correria do mundo moderno, onde é preferível estar numa cela de cadeia onde se pode permanecer 30 minutos ou mais sentado lendo algum livro, com seu prato de comida garantido nas refeições, com alguma qualidade e acima de tudo segurança, do que estar entregue as mazelas da vida que o mundo afora lhe pisa na cara e lhe responsabiliza pela sobrevivência.

De igual maneira é retratada paralelamente a vida de Carlitos, a historia de uma moça órfã que vive nas ruas, vitima do desenfreado “desenvolvimento” mundial, que acaba por cometer delitos em nome da miséria, como é reforçada na cena em que Carlitos é levado em prisão por estar justamente no momento que esta moça furta um pão com destino a sua alimentação. Carlitos se choca com ela, o guarda intercepta os dois, e este é levado em mais um mal entendido. A partir daí desenvolve-se uma relação de amizade fortíssima, de companheirismo, e acima de tudo de compreensão de duas pessoas que vivem praticamente as mesmas dificuldades e almejam os mesmos sonhos utópicos em suas vidas. Momento único, contudo acontece em um instante na qual Carlitos esta descansando com a moça em um jardim de uma bela casa e passa a imaginar uma possível vida conjugal com esta dentro de tal casa, quando é repentinamente interrompido por um guarda que toma conta das casas, possivelmente dos grã-finos industriais. São muitos os momentos vividos conjuntamente pelos dois, como o momento em que se divertem cantando e dançando em mais uma confusão na qual Carlitos se encontra.

Enfim, é uma obra em que poderia me alongar se tivesse capacidade para tal, e abordar outras instancias, cabendo este breve texto mais para uma resenha ou para uma opinião pessoal, porem redijo aqui as informações que achei necessárias por mencionar em minha analise sobre a obra que é um marco no cinema. “Tempos Modernos” nos ajuda a entender a realidade não somente de uma época, como também as consequências trazidas para a nossa atualidade, seus efeitos, transformações, tendo em vista que os dias de hoje são frutos do passado e se optarmos por enxergar que "O tempo não existe, é apenas uma convenção social” (Jorge Luiz Borges) este passado não mais existirá e assim nós vivemos num mesmo tempo, num mesmo presente, é claro, um presente diferenciado em relação ao anterior, mais que não foge muito no que se refere à intensidade de desigualdades e na velocidade de transformações que sempre será uma característica marcante quando se existir atividade humana envolvida.

Ass: Rafael Costa Prata
Graduando em História Licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe.
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