Antes de tudo, eu sei que essa análise vai acabar se demonstrando e/ou apresentando como uma crítica amarga ou desnecessária sobre a película em questão. Mas não tenho como evitar. Na verdade até teria, mas não quero evitar. O proposito desta postagem não é macular a imagem do filme, que é deveras fantástico dotado de um grande poder dramático e de uma mensagem belíssima, cuja força reside na história real de um sujeito extremamente fora do comum, absurdamente extraordinário, chamado Hunter “Patch” Adams.
Na verdade, a crítica não residirá sobre os aspectos técnicos do filme, mas sim, sobretudo no que concerne a alguns pontos importantes dos bastidores de sua produção, que de certa maneira, nos ajuda a evidenciar um certo paradoxo adotado pela produtora do filme em questão, quando posto frente às ações e atitudes do biografado. Em linhas gerais, para ratificar a minha crítica – que não é corrosiva – vai se basear, como um “referencial teórico” mais do que incontestável, nas palavras do próprio Patch Adams, o sujeito real e histórico.
Capa do Filme " Patch Adams: O Amor é contagioso", de 1998, dir: Tom Shadyac. |
Portanto, me seguro em uma fonte mais do que segura e confiável para analisar os bastidores e a execução do filme: o próprio Patch Adams. Como dito, a idéia não é atacar o filme, belíssimo por sinal, que tanto emocionou o mundo, e de maneira singular, soube apresentar ao mesmo, a figura deste “singular” médico americano. Uma comédia leve, com bons tons de drama, esta película tornou-se dentro de pouco tempo – o filme foi rodado em 1998 – um clássico instantâneo da “Sessão da Tarde” ou daquelas manhãs de “Cine Educativo” quando as nossas professoras na época do colegial, procuravam passar este filme para fomentar o espirito critico e de bons valores nos alunos.
O Filme também é bastante cultuado em meio acadêmico, pois não é atoa que muitos professores do curso retratado na película – que é o de Medicina – constantemente se utilizam do mesmo, nos períodos iniciais do curso, para suscitar a emoção dos discentes e encaminhá-los a prática de uma conduta médica próxima ao retratado no filme.
Hunter "Patch" Adams: O Biografado. |
Enfim, paralelamente a análise de alguns pontos importantes na reconstrução fílmica do biografado, nos interessa entender como o Cinema se apropria da trajetória de vida de uma personagem em destaque, e, sobretudo como, a partir deste momento, este meio midiático de massas poderia causar um impacto profundo, contribuindo para a elevação dos ideais tão centrais na proposta de vida do biografado. Isso tudo vale ser dito por que, curiosamente, a película e principalmente os bastidores de sua produção, acabaram não agradando tanto ao Patch Adams Real, justamente pela carência da efetivação dos acordos feitos quando foi iniciada a roteirização e a proposta do filme.
Robin Willians foi o escolhido para interpretar magistralmente Patch Adams nas telinhas.. |
Em resumo, eis a sinopse da película: O Filme nos leva aos caminhos de redenção de Hunter Adams, sujeito amargurado com os traumas de sua Infância e Adolescência, que de tal maneira, procura por livre arbítrio, se internar em um hospital psiquiátrico para contornar sua vida. Estando lá, acaba aprendendo com os pacientes do recinto – e não com os profissionais do local – que a vida deve ser vivida através da amizade, da troca de amor, e que só assim o mundo se encaminharia para um desfecho feliz para todos; para a cura das doenças, para a valorização do ser humano como pessoa.
Daí em diante, a película nos mostra Hunter Adams, agora apelidado de “Patch” por seus amigos do hospital psiquiátrico, adentrando ao mundo acadêmico, onde se torna em especial o melhor aluno da instituição, com as melhores notas, despontando a inveja de outros no local, e a raiva da alta cúpula que é absurdamente egocêntrica e trata aos pacientes como coisas, como números.
Patch é o aluno mais velho de toda a Universidade; por conta de suas ótimas notas, desponta a inveja dos outros alunos e a ira do reitor por suas atitudes "malucas". |
O Caminho trilhado por Adams é de justamente alertar para a necessidade efetiva da mudança desse paradigma: Fazer do ato médico, da prática da medicina, uma atitude de amor ao próximo, num sentido mais amplo do termo. Não é apenas medicar e evitar a morte, mas como também aconselhar, afagar e ouvir os sonhos de seus pacientes. É procurar “saber o nome” dos pacientes e não apenas receitar o comprimido do “sujeito com câncer no pâncreas”.
Como todo sujeito idealista ao extremo, Patch Adams acaba encarando muitos entraves, principalmente pela alta cúpula da instituição, que em muitas ocasiões acaba interferindo procurando expulsá-lo da mesma, por conta justamente de sua metodologia de trabalho, que é descrita na pauta da expulsão como de “exagerada felicidade demonstrada”. Como se isso fosse um erro a ser impelido.
Cena fantástica do Filme: Patch transformando um instrumento médico em um simples nariz de palhaço para a alegria de uma ala inteira de crianças com cancer. Tudo feito as escondidas é claro! |
Enfim, o filme consegue fazer uma justa homenagem a Patch Adams, ainda que para isso se utilize é claro de “Licenças poéticas” comuns ao meio cinematográfico, bastante entendível é claro, pois Cinema também é Mercado. No filme, Adams constantemente afirma a seguinte frase: “O Riso é o melhor remédio”, mas Patch em entrevista ratificou que nunca afirmou tal frase; Na verdade havia dito em uma de suas obras que o amor e a amizade são o melhor remédio, e em um sentido bastante ampliado do termo. Não se deve apenas fazer sorrir a pacientes, mas viver em harmonia com todos no mundo, desde a enfermeira até o sujeito que você encontra embriagado na esquina.
Outro ponto interessante a ser observado é que na película, uma namorada de Adams acaba sendo assassinada por um paciente, o que na verdade não ocorreu na realidade. Foi um amigo de Adams quem foi assassinado. Obviamente que a inclusão desta mudança se insere dentro de uma necessidade fílmica de recriação dramática de um romance interrompido, e etc.
Dr. Patch Adams: De uma Infância traumatica; da Tentativa de suicidio ao Hospicio; Para o Mundo da amizade e do sorriso. |
Enfim, cheguemos ao ponto que realmente interessa: Hunter “Patch” Adams foi, e é, já que ainda está vivo – no auge dos seus 65 anos – um sujeito mais do que humanamente dotado de valores necessários à humanidade e que parecem esquecidos nos dias de hoje. Patch Adams é um médico “subversivo”, que muito além da sua metodologia do amor, da amizade e do riso, encara e critica de frente, as agruras de seu tempo.
É nesse ponto que enrolamos um pouco para chegarmos agora. Recentemente, no ano de 2007, o médico americano, que até hoje viaja o mundo todo com seu grupo de médicos – palhaços, contribuindo em locais de guerra pouco visitados, zonas afastadas e etc., acabou visitando o Brasil, de forma que recebeu então o convite da Rede Cultura para participar do conceituado – e, diga-se de passagem, ótimo – programa “Roda Viva” onde passaria por uma sabatina de entrevistadores de vários gêneros sobre várias temáticas.
Patch Adams no "Roda Viva" em 2007: Críticas ao Mundo em Geral. |
O Resultado da entrevista foi surpreendente. Adams criticou desde o governo americano em geral e a promoção de suas guerras, ao sistema falido de saúde americano, que privilegia as companhias de saúde em detrimento dos pobres – para entender, e só assistir ao documentário “S.O.S Saúde” de Michael Moore -, entre outras críticas, até a correção de alguns aspectos apresentados no filme.
O Documentário "S.O.S Saúde" de Michael Moore nos ajuda a entender a realidade dos hospitais e planos de saúde em um país de "primeiro mundo" como os Estados Unidos. |
Isso tudo surpreendeu aos entrevistadores que certamente esperavam a apresentação de um bom velhinho médico, doce e afável em suas palavras – o que ele demonstrou ser, mas de uma forma realista e ativista – ao invés de um sujeito extremamente versado e critico frente a várias questões da sociedade. Daí então que nos pareceu bastante oportuno e curioso, apresentar algumas dessas questões. Segue então a transcrição de uma parte da entrevista, justamente seu inicio, quando Adams aborda sobre a película:
· Sobre a opinião de Patch Adams acerca da película:
Patch Adams:
No início, fiquei constrangido com o filme. Sou ativista político, trabalho pela paz e pela justiça. Considero fascista o meu governo. Se não mudarmos de uma sociedade que venera dinheiro e poder para uma que venere compaixão e generosidade, não haverá esperança para a sobrevivência do ser humano neste século. Precisamos deter um sistema que, pela TV, estimula a concentração do dinheiro na mão de poucos. Então… Hollywood queria vender ingressos. Duas coisas vendem ingresso: violência e humor. Desse modo, preferiram enfatizar o meu esforço em abrir o único "hospital maluco" da história. Ignoraram o fato - falo de um país que se recusa a cuidar de 50 milhões de pessoas porque são pobres - de que luto pela medicina gratuita. Se me permitem – estou aqui na berlinda – posso corrigir algumas coisas do que foi lido?
· Patch então continuou:
Não concordo com “rir é o melhor remédio”. Eu nunca disse isso. A amizade claramente é o melhor remédio. É a coisa mais importante na vida. São nossas relações com aqueles que amamos. Infelizmente, os meios de comunicação, sendo como são, muito antes de me conhecer, imaginam que rir seja o melhor remédio.
Então, quando escrevem o artigo, põem essa frase porque o fazem, na realidade, sem pensar. Também quero corrigir a idéia de que rir seja uma terapia. Também nunca penso em música como terapia, nem em arte, nem em dança. Nunca precisam da palavra “terapia”, que é pequena para ajudar. A arte não precisa de ajuda da palavra “terapia”. É a cultura humana. Não fazemos terapia de cultura. Se estamos saudáveis, fazemos cultura. Para mim, humor é contexto.
No nosso hospital, exigimos que o pessoal seja alegre, gozado, carinhoso, cooperativo, criativo e atencioso. É um modo para uma comunidade humana saudável integrar-se, para não haver violência, para um cuidar do outro. Portanto, nunca penso… também nunca penso na diferença entre levar humor para uma criança moribunda e ser cordial com um homem de negócios no elevador. Para mim, são experiências iguais.
O filme dá a impressão de que estou prestes a entrar no quarto de uma criança enferma e fazer palhaçada. É um filme bom e bonitinho, mas não faz o Brasil querer alimentar todos os cidadãos famintos e parar de matar o rio Amazonas. E eu quero proteger o Amazonas e acabar com a violência contra as mulheres no mundo inteiro. E o filme podia ter integrado isso tudo.
Consegui ficar mais tranquilo com o filme porque o mundo está tão faminto - até da versão condensada, mais simples de qualquer coisa ligada ao amor, porque o amor não está na TV, nem em nenhum lugar, não é ensinado nas escolas - que qualquer versão, até mesmo a versão hollywoodiana mais simples, o mundo aceita. Está faminto por si. Eu assisti. Era um filme internacional de muito sucesso. Estão famintos.
Podia ter sido um filme muito mais inteligente.
No mesmo ano em que Patch Adams foi lançado, Benigni lançou a Vida é Bela. É uma versão bem mais inteligente, com uma mensagem parecida. Sei que isso não é exatamente o que vocês queriam, mas como estou na berlinda, esta situação permite que a conversa tome rumos que as pessoas podem não ter pensado que pudesse tomar. Antes do filme, quando tentei levar palhaços à guerra da Bósnia, a ONU [Organização das Nações Unidas] levou sete meses para me dar a permissão. Disseram: “Como pode querer levar palhaços para a guerra? Isso não é engraçado!”.
Depois do filme, para a guerra em Kosovo, só levou quatro dias. E por causa do filme, grupos de palhaços do mundo todo visitam hospitais. Ajudou-os muitíssimo. Pessoas de mais de três mil projetos do mundo todo disseram: “Vi o filme trinta vezes, adorei! É o meu filme favorito. Abri esta clínica, esta escola, isto…” Mecânicos escrevem para mim: “Vi o seu filme, agora faço um trabalho honesto.” E assim, agora, sinto mais respeito pelas consequências, não pela inteligência do filme.
· Sobre a Veracidade de alguns fatos apresentados na película:
Sou um intelectual. Existem grandes filmes na história, este não é um deles. Este é um filme comercial de Hollywood. Quanto à veracidade do filme, na verdade, quem foi assassinado foi o meu melhor amigo. É humilhante para a família dele, mas eu o conheço. Ficaria feliz por ser interpretado por uma bela mulher [risos]. Iria convidá-la para sair [risos]. Lembra-se da cena da convenção de ginecologistas, das pernonas em cima da porta? [cena em que Adams é convocado a ajudar nos preparativos de um seminário de ginecologistas, os quais são recebidos, por obra de Adams, por uma grande armação em formato de duas pernas gigantes abertas, que convergem para a porta do auditório principal] Eu não faria aquilo, fui muito bem em anatomia feminina [risos].
O verdadeiro filme do banho de macarrão se viram a minha versão é muito mais engraçada e mais interessante [uma paciente terminal diz a Adams, ao ser questionada por ele, que tinha um sonho infantil de nadar em uma piscina de macarronada, desejo que é atendido por Adams].
Tudo no filme foi atenuado. Muita gente pensa, porque Hollywood é uma exageração. Na verdade, é uma atenuação. Fico muito triste porque o meu nome está em filme em que não há paz e justiça. Vocês viram, nesta entrevista, fiz com que fosse a primeira coisa sobre o que falar.
· E por fim, Patch, ainda sobre as consequências e os possíveis impactos da película, respondeu a seguinte pergunta do entrevistador:
Ricardo Westin: Mr. Adams, você citou [que é] um filme de Hollywood, é um filme que não se cita a paz, a justiça, mas tem um lado positivo de ter incentivado pessoas no mundo inteiro a seguir seu exemplo, a palhaços entrarem em hospitais... Mas, no seu caso específico, esse filme ajudou a sua entidade a receber mais doações, a se construírem novos hospitais que estão sob sua responsabilidade?
Patch Adams: Fiz o filme porque não consegui arrecadar dinheiro durante 28 anos para erguer o que seria o único hospital-modelo do mundo para os problemas de que ouço falar por médicos do mundo todo. Por ser um hospital tão radical, ninguém quis me ajudar. A Universal Studios prometeu erguer nosso hospital. O filme rendeu mais de quatrocentos milhões de dólares. Ninguém ligado ao filme veio me dar nem um dólar [pausa]. Ele me ajudou a ganhar mais pelas minhas apresentações. Antes do filme, eu recebia 300 mil dólares por ano. Depois do filme, um milhão de dólares por ano. Não guardo dinheiro. Escolhi não possuir nada. Dou todo o dinheiro para podermos fazer mais. Também nos permitiu começar a erguer clínicas e escolas pelo mundo e a expandir a nossa atividade, mas não nos trouxe dinheiro para erguer o nosso hospital.
Patch Adams: Fiz o filme porque não consegui arrecadar dinheiro durante 28 anos para erguer o que seria o único hospital-modelo do mundo para os problemas de que ouço falar por médicos do mundo todo. Por ser um hospital tão radical, ninguém quis me ajudar. A Universal Studios prometeu erguer nosso hospital. O filme rendeu mais de quatrocentos milhões de dólares. Ninguém ligado ao filme veio me dar nem um dólar [pausa]. Ele me ajudou a ganhar mais pelas minhas apresentações. Antes do filme, eu recebia 300 mil dólares por ano. Depois do filme, um milhão de dólares por ano. Não guardo dinheiro. Escolhi não possuir nada. Dou todo o dinheiro para podermos fazer mais. Também nos permitiu começar a erguer clínicas e escolas pelo mundo e a expandir a nossa atividade, mas não nos trouxe dinheiro para erguer o nosso hospital.
Quem deseja assistir a entrevista por completo, pode ver no vídeo a seguir: