sábado, 22 de janeiro de 2011

Ode ao doce gênio quase esquecido..

Era Dezembro de 2010 quando ao retornar da Universidade e ainda dentro do ônibus conversava com o Professor Eduardo Pina, que como sempre, manteve a ótima e inovadora proposta de conceder um curso de verão cuja temática versaria a respeito da História do Cinema, procurando abordar as estéticas cinematográficas, os grandes precursores, artistas, enfim, tudo que concerte a dimensão histórica e artística da “Sétima Arte”.
Ali conversamos brevemente sobre a importância do Cinema para o entendimento histórico, sobre como os filmes podem ser um tipo de discurso histórico produzido em um determinado tempo especifico, e que sendo o historiador um estudioso dos pensamentos, ideologias e representações, em suma, das consciências históricas, cabe a ele também estar por dentro desta forma particular de produção de saberes.
Mas enfim, esta breve introdução serve também como um agradecimento ao professor que com toda paciência e gratidão ofereceu esta necessária matéria aos alunos, mas também para fazer um elogio quase que despercebido, pequeno para um grande ídolo, que para a minha felicidade, foi contemplado pela turma, com aplausos, sorrisos, como em toda sua vida, acabou sendo a sua especialidade.
Com toda certeza, de todos os aprendizados a qual ainda estou passando no decorrer da disciplina, que ainda está em curso, poder levar uma obra magnífica de um grande ídolo, que ainda que seja reconhecido, acabou não tendo da História e dos homens que a compõem,um devido reconhecimento à sua altura.
 Estou me referindo ao “Homem que nunca ri”, ou simplesmente Buster Keaton. Com certeza esse nome é incomum ou desconhecido para alguns de vocês que estão lendo este comentário, como também assim era para mim antes de algum pouco tempo atrás ter me deparado com sua obra, e ter me tornado seu fã, admirador de toda a sua vida, e de sua obra, a ponto de hoje está aqui escrevendo, ou procurando seus filmes mais antigos para assistir ou até para legendá-los caso ainda não o tenham sido.
Mas enfim, já ficou claro o caráter passional deste comentário, e com certeza vocês já devem estar se perguntando quem foi esse tal de “Buster Keaton” a que me refiro. 
Keaton com sua face imovel clássica: " O Homem que nunca ri"

Como resposta, e com muita calma eu vos digo, sabendo que causando polêmica estou, Buster Keaton na minha humilde opinião, e também para muitos, é o maior comediante  burlesco e lúdico de todos os tempos. Eu sei que muitos podem estar indignados, considerando um sacrilégio, uma heresia, o fato de para muitos, e para mim, te-lo como o maior comediante, o maior sujeito cômico, aquele que faz sorrir naturalmente, da História do Cinema, até mais do que Charles Chaplin, seu contemporâneo.
Antes que as pedras sejam atiradas, é necessário afirmar que esta opinião não é só de um amante amador do Cinema mudo como sou, mas de muitos críticos renomados do Cinema. Segundo, tanto Buster Keaton como Charles Chaplin são gênios absurdamente perfeitos da arte do sorriso, e sendo contemporâneos, as discussões atuais sempre acabam postulando uma curiosa, mas em minha opinião desnecessária colocação sobre :“Quem foi mais engraçado? Quem foi melhor?”.
Em primeiro lugar, sobre qual ponto de vista queremos entender as ditas “Qualidades”.  Cada um teve sua importância histórica especifica suas qualidades artísticas, seus problemas na vida particular, que por sinal, marcam a carreira de qualquer gênio em qualquer área. Mas, enfim, o que se deve concluir disso tudo é que um certo espírito de competitividade imposto no mundo capitalista, parece querer e tendeu a obscurecer a carreira de um a partir dos rumos do outro, como se ambos fossem rivais, o que na pratica, nunca foram, pelo contrário, eram amigos, que por sinal, juntos atuaram num dos mais belos e fantásticos filmes da história do Cinema, chamado “ Luzes da Ribalta” de autoria do proprio Chaplin.
Keaton e Chaplin em preparação para " Luzes da Ribalta"
Ao invés de nos alegrarmos de termos tido dois gênios contemporâneos atuando e participando ativamente da construção do Cinema, evidentemente com suas características particulares, algumas que se aproximam, e outras mais divergentes, sempre tendemos a reproduzir estes espectros de competividade.
Por isso tudo, essa discussão sobre quem foi maior parece inútil e descabida, quando na verdade devemos aplausos imensos a ambos, e também a outros gênios que acabaram ficando a margem dos holofotes da fama, mas que foram também fortemente geniais em sua arte e importância histórica.
Se em ultima via me fosse pedida uma decisão sobre essa irracional disputa, eu pediria a permissão ao professor Eduardo Pina para reproduzir a opinião dele que também na verdade acaba sendo a minha e a de muitos: Para mim, Buster Keaton é o maior gênio da comedia burlesca, aquela comedia mímica, não falada do Cinema Mudo, e também da Comédia em geral, que o Cinema já viu. Sua graça já é inerente em seu arquétipo, em sua “genética” como afirmou o professor. Keaton em si já é um personagem cômico. Com certeza vocês conhecem aquela pessoa que só de olhar já temos vontade de rir? Pois é, Keaton assume essa característica com a maior eficácia possível.
Quanto a Chaplin, não há o que comentar, pois todo o espaço das páginas impressas ou lidas possíveis não seria o suficiente para expressar a sua genialidade e sua importância. Trata-se do maior artista de todos os tempos. O Ser mais genial, mais sábio, mais revolucionário da História do Cinema. Chaplin é Chaplin, acho que dessa forma, encerra-se qualquer discussão. Sou partidário de que o nome “Chaplin” torne-se um adjetivo que expresse um elogio, assim como no dicionário, para outro ídolo chamado Kafka, há o termo “Kafkiano”, designando algo surreal, fantástico, inacreditável.
Keaton e Chaplin:Gênios inigualáveis
Enfim, Deus salve os gênios da comedia que nos dão a oportunidade atemporal de continuar sorrindo. Sim, porque os filmes geniais de gênios cada vez mais geniais (perdão o enorme pleonasmo) não enxergam a dimensão e as fronteiras das ventanias do tempo, pois continuam a fazer sorrir e são mais atuais do que imaginamos. Assistir Chaplin e Buster Keaton é a provação para alguns que para a arte da Comédia não é necessário “Palavras” ou “Falas”, mas a pureza de gestos simplesmente cômicos, a fantástica capacidade de por meio da montagem das cenas, da criatividade e principalmente do carisma e da veia cômica que já reside no talento individual é puramente suficiente.
Fazendo um paralelo a isso tudo, eu vos trago um caso recente, e que com toda certeza todo mundo aprecia e sorri bastante. Quase ninguém imagina quem seja o ator e comediante britânico Rowan Atkinson. Mas todo mundo conheceu seu personagem cômico “Mister Bean”. Ora, o personagem “Mister Bean”, criado em 1989, trata-se de uma criação artística que não deve nada a Comedia burlesca do apogeu do Cinema Mudo. Pelo contrário, se esta personagem foi criada por Rowan Atkinson, isso se deve a sua idolatria pelos grandes gênios da comedia, entre eles Charlie Chaplin, o também pouco conhecido Harold Lloyd, e mais ainda Buster Keaton, haja vista que boa parte dos curtas televisivos que deram fama a “Mister Bean” são releituras das obras de Buster Keaton para a comédia.
Ambos os personagens criados por Atkinson e anteriormente por Keaton possuem uma semelhança e um dote cômico idêntico, que remonta a grande qualidade do Cinema Mudo: Saber criar sorrisos a partir do efeito facial.
No começo deste comentário, eu havia me referido a Buster Keaton como “O Homem que não sorri”, e isso se deve ao fato de que seus personagens, eram em suma sujeitos que traziam gargalhadas sem nenhum tipo de antíteses faciais, ou seja, não eram personagens que variavam da alegria a tristeza, do susto a raiva, enfim, era quase que uma face única, de certa forma doce e ao mesmo tempo melancólica, que não foi assim construída sem intuitos.
Keaton sabia que o efeito de seriedade no seu alter ego cômico traria mais sustância e mais graça as ações do desastrado Johnnie Gray, como também torná-lo-ia mais enigmático e sedutor as emoções do publico que projetaria suas emoções “encima daquela face imóvel”.
Atkinson: Fã de Keaton, inspirou-se nele para criar seu personagem Mr.Bean






Assim foi Buster Keaton em grande parte de seus filmes. Keaton também, assim como Harold Lloyd que em breve destacarei em outro post sua importância, foi o grande inovador das cenas do que hoje chamamos de “Live Action” ou simplesmente “Cenas de Ação” para a arte do Cinema, obviamente sem o uso de dublês, que hoje são indispensáveis para muitos artistas, que inclusive, consideramos semideuses dos filmes de ação.
Buster corria, Buster pulava, Buster se esborrachava. Subia no trem, pulava de um lado para o outro, subia em um prédio, e fazia Le Parkour em plena década de 1920, assustando e deixando admirados a todos que assistiam a suas obras, mescladamente com uma ação e com uma velocidade inovadora, e acima de tudo imensamente cômicas.
Isso tudo graças a sua formação circense. Sim, quando criança juntamente com seus irmãos mais velhos, participavam de um espetáculo teatral com dotes circenses, conhecido como estética do Vaudeville, onde se misturava a arte da comédia com as acrobacias, quedas, pulos, pontapés e etc. Ali nasceram e cresceram sua veia cômica, onde ainda criança ficou conhecido ao atuar como um pequenino rebelde nas cenas deste teatro burlesco.
 

Keaton em mais uma de suas cenas de Live Action Comedy
Daí para o sucesso não foi tão fácil como podemos imaginar, haja vista que não o é hoje, imagine então no fechado mercado do Cinema daquele momento. Contudo para quem nasce com o talento supremo como nasceram Chaplin e Keaton, as portas não somente se abrem como também as chaves da casa lhe são graciosamente entregues.
Keaton teve seu auge no Cinema Mudo nas décadas 20 e 30, até quando por problemas pessoais que não vem ao caso, e principalmente por questões contratuais e de adaptação ao Cinema Falado, que afetou a todos da época, inclusive ao proprio Chaplin, acabou vendo sua carreira entrar em certo abismo. Sua obra mais conhecida é “A General” rodada no ano de 1927, onde Keaton deixa a mostra todas as características geniais citadas anteriormente que o consagraram.
Keaton interpretando Johnnie Gray em "A General"
É certo que ainda tivemos o prazer de vê-lo atuar em comedias faladas posteriores, como com especial atenção eu já citei o caso de “Luzes da Ribalta” de 1952, que metaforicamente trata-se de uma das maiores justiças históricas que este Universo nos podia dar, nos concedendo a chance de ver ambos os gênios Chaplin e Keaton dividindo o mesmo palco, a mesma película mesmo que seja por menos de dez minutos. Ainda que nesta obra, que é a penúltima produzida por Chaplin, ambos já estejam bem velhinhos, para quem a assiste, se trata de um momento único, de uma conjuração perfeita e magnífica de dois mágicos da comédia que se encontram numa mesma tela para afinarem e herdarem a todos a oportunidade de visualizar o encontro dos dois maiores sujeitos cômicos que o Cinema já viu.

Keaton já idoso..


Em 1966, aos 71 anos morria Buster Keaton acometido de câncer no pulmão. Sua obra magnânima foi e é reconhecida até hoje por fãs, críticos e academias de Cinema de todo o mundo. O nosso Pamplinas, como era chamado na Espanha e em Portugal, foi reconhecidamente apontado como dentre os 20 maiores artistas de todos os tempos pela academia de atores e cineastas norte americanos. Obviamente, isso seria o reconhecimento mínimo, devido e mais do que justo.
R.I.P - Buster Keaton.

Quase cinqüenta anos depois de sua morte, Keaton não desejaria deixar como herança, lamurias por alguém que morreria ainda cedo, mas sim um saldo de alegrias, de sorrisos, de doçura e acima de tudo de paixão a estética da arte do Cinema, assim como proporcionou em toda a sua vida.
Lá encima, no céu dos cômicos, ao lado de Chaplin, Harold Lloyd, e é claro dos nossos brasileiros Ronald Golias, Mussum, Zacarias, Mazzaropi, Otello, Oscarito, e de outros tantos comediantes do mundo, que  como tarefa e arte suprema faziam as pessoas sorrirem, ele nos observa.
E cada vez que um jovem, uma criança sorri com as travessuras e a falta de jeito de Johnnie Gray, com o seu modo desajeitado,  contudo absurdamente puro, o nosso “Pamplinas”, o “Homem que nunca ri”, deixa aparecer timidamente um pequeno e merecido sorriso de canto de boca, digno do maior comediante de todos os tempos. 


Deixo assim um Sorriso para o " Homem que não sorri", ou simplesmente através da belíssima canção escrita por Chaplin para " Luzes da Ribalta" repito:
"Smile, what's the use of crying...If you'll just Smile... Smile..!"


Goodbye Mr.Keaton!


Ass: Rafael Costa Prata
Graduado em História pela Universidade Federal de Sergipe.
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