Em pleno alvorecer da Era 3D eis que o Cinema clássico mostra a sua cara. E da melhor forma possível. Estamos nos adaptando a uma nova era do Cinema: a dos filmes cada vez mais projetados na Terceira Dimensão. É claro que este fenômeno não é tão novo assim; Já desde os anos 1980, alguns filmes eram projetados para serem vistos com aqueles remotos óculos escuros feitos com base de plástico. Mas nada comparável ao fenômeno evidenciavel nos dias de hoje. A Explosão e, sobretudo a aceitação da constatação deste novo modus operandi de produção cinematográfica se deu com o filme “Avatar” de James Cameron, do ano de 2009, que surpreendeu o mundo com a beleza do que o espaço 3D poderia oferecer ao Cinema no campo da fotografia, e como também da percepção – interatividade – do público frente ao filme que está sendo exibido.
“Avatar” : o 3D ganha o público. |
Daí em diante o 3D ganhou o público. Muitos são os diretores e os filmes que procuram se adequar a esta nova exigência, a este novo chamariz de público. Cada um de nós quer se sentir cada vez mais parte do filme, do sonho produzido. Alguns filmes conseguem, outros não. Alguns diretores exageram na medida em que direcionam o filme totalmente ao 3D, tornando-o um verdadeiro escravo do mesmo. Contudo, felizmente esta não é a realidade de boa parte dos filmes voltados ao 3D. Os Cineastas têm percebido cada vez mais que o 3D deve ser utilizado como parte complementar, artifício de qualidade, praticamente uma Cereja no Bolo que deve rodear o roteiro e a produção do filme. Deve ser um ampliador das qualidades expostas na obra.
Sobre isso, o Oscar de 2012 nos brindou talvez com uma obra que tenha conseguido extrair o máximo – junto com Avatar suponho - desta relação do Cinema com o 3D: A Invenção de Hugo Cabret, de direção de Martin Scorsese, 2011.
A Invenção de Hugo Cabret; o 3D para os primórdios do Cinema. |
Scorsese realmente soube extrair do 3D o que ele poderia oferecer. Os artifícios visuais, a belíssima fotografia, e uma interação com um público que se apresentou bastante intensa em toda a obra. Há momentos do filme que você se encontra “frente a frente” com o personagem, tal é a aproximação deste com você. Curiosamente, o filme também parece querer trazer a tona, um paralelo cada vez mais atual, entre uma remota era romântica do Cinema e o mundo atual do 3D. Se na película, Scorsese nos mostra como, naquele dia 28 de dezembro de 1895, os expectadores do salão café em Paris se encontravam estupefatos com aquele rolo de filme exibindo a chegada de um trem, assustando-se com a proximidade do mesmo com gritos; não é tão diferente, a surpresa e o regozijo do público frente a essa nova dimensão explorada: o 3D. Neste sentido, se sorrimos ao ver as pessoas se assustando com o Trem, também não é de se surpreender com pessoas na sala de Cinema, fugindo do próprio Trem de Cabret que ameaça sair da tela do Cinema.
O tom é o mesmo. Dentro desse mesmo bojo, outro aspecto primordial aflora: a curiosa emergência de um retorno as origens. Sim, 2012 foi o ano da belle époque do cinema moderno. Causa-nos surpresa constatar que “A Invenção de Hugo Cabret” de Scorsese e também o “filme mudo” de nome “O Artista” do cineasta francês Michel Hazanavicius, tenham juntos, abocanhado 10 estatuetas, praticamente quase tudo que foi oferecido pela academia.
O Artista levou os principais prêmios da noite, entre eles: Melhor Filme, Melhor Diretor para Hazanavicius, Melhor Ator para Jean Dujardin, Melhor figurino e Melhor Trilha Sonora Original. Quanto a Hugo, seu único e principal concorrente na noite, levou tudo que podia ganhar: Fotografia, Direção de Arte, Edição de Som, Mixagem de Som, Efeitos Visuais. No critério de desempate, O Artista levou a melhor, pois das suas 10 indicações, levou 5, enquanto que Hugo que também levou 5, havia recebido 11 indicações.
Hugo e o Artista: 10 estatuetas para o Cinema Clássico |
Certa audácia me leva a pensar que por terem sido produzidos no mesmo ano, a produção de um evitou que a de outro abocanhasse quase tudo. Não porque neste ano não existissem paralelamente ótimas películas. Muito pelo contrário, junto com esses, competiam grandes filmes de monstros sagrados do Cinema, mas porque o tom de “novo”, de “inovação”, de reflexão que estas duas películas trouxeram, parece ter fascinado não somente aos velhinhos da academia, mas a todo um público em geral.
Este “cheiro de novo” é justamente o resgate do “velho”, de um romantismo, de um sabor de cinema produzido nos primórdios do Cinema. 2012 será lembrado justamente com este marcador: o Ano que Hollywood se rendeu as suas origens.
A Invenção de Hugo Cabret, película baseada no livro de Brian Selznick, nos leva justamente as origens do Cinema. É um filme a que podemos rotular como uma película puramente metalingüística. É um filme sobre vários filmes. É um filme sobre vários gêneros filmes. É um filme sobre varias personalidades do Cinema no decorrer das décadas. Sob o pano de fundo está à história do jovem órfão de pai e mãe, Hugo Cabret, um garoto que sobrevive de pequenos furtos, e que vive num grande relógio localizado numa estação de Trem em París.
Não vou contar os detalhes do filme, para não estragar a oportunidade de quem ainda irá assistir. Quando a jovem Isabelle o conhece, afirma ela que nunca assistiu a um filme porque seu tio Georges nunca permitiu; No momento, ela está apaixonada pelas aventuras de David Copperfield. Ora, nesse ponto, também parece um aspecto de metalinguagem, pois, o personagem Hugo também remonta em muito as personagens órfãs e pobres do escritor inglês Charles Dickens. Não é, portanto só o Cinema quem é resgatado nesta película.
Hugo: O Cinema sobre o Cinema. |
Enfim, Hugo nos leva a uma fascinante aula sobre Cinema. Sobre suas origens, suas tendências e vertentes, e, sobretudo sobre seus grandes pais e como não devemos esquecê-los. A Metalinguagem da película nos leva a um garoto pendurado em um grande relógio, assim como o comediante Harold Lloyd em “Safety Last” de 1923, faz referencias claras a Charlie Chaplin – como a moça florista no centro da estação, clara alusão ao filme “Luzes da Cidade” de 1931 – e também a Buster Keaton – com as gags ou estripulias do proprio Hugo em suas fugas na estação -.
A própria personagem do comediante Sacha Baron Cohen é uma homenagem aos caricatos policiais tão comuns nas comédias do Cinema Mudo, seja de Charlie Chaplin, Buster Keaton ou algum outro comediante. Da metalinguagem, abre-se ainda um livro para se referir a Griffith com seu clássico “Intolerância” de 1916, a um dos primeiros filmes do Cinema chamado “O Grande Assalto de Trem” do ano de 1903, e outras tantas películas.
Safety Last de Harold Lloyd: Uma referência mais do que clara em Cabret. |
Hugo nos leva ao universo do esplendor de Hollywood; Uma fase áurea da maquina de sonhos, do fazer é permitido. Época das grandes películas com trens, grandes relógios e inovações da tecnologia. Também do estranhamento e da reflexão frente a um mundo cada vez mais autômato. Daí a sensacional referencia ao autômato recriado no filme, que também nos faz recordar ao “robô Maria” da película “Metropolis” de Fritz Lang, do ano de 1927.
Metrópolis: O Autômato sempre esteve no pensamento humano |
O Filme é, em suma e principalmente, uma ode a Georges Meliés, este grande visionário e mágico do Cinema. Pai dos efeitos especiais, Meliés é ainda hoje pouco reconhecido, talvez por, como o próprio filme retrata, grande parte de suas obras terem sido perdidas com o tempo. A Grande sacada da obra é justamente essa: nos leva ao universo romântico do Cinema se utilizando de toques de drama, do olhar de duas crianças estupefatas ao adentrar em um mundo ainda não percebido e compreendido.
Ben Kingsley como Georges Meliés: Homenagem sensacional. |
Hugo certamente atingiu seus objetivos. De igual maneira é a película “O Artista” de Michel Hazanavicius. É um Filme mudo. Conta a história de um grande ator dramático e de musicais, interpretado pela grande surpresa Jean Dujardin, que se encontra amedrontado pela recente chegada do Cinema Falado. Ora, esta foi uma realidade mais do que comum e assustadora para muitos dos artistas da era do Cinema Mudo. O Pertencimento ao gênero mudo fazia com que muitos deles não acreditassem ou suspeitassem do gênero falado; caso comum disso foi à difícil passagem de Buster Keaton para o gênero falado; Charles Chaplin também sofreu, mas soube reverter a situação. Algumas atrizes, como Mary Pickford, a queridinha do Cinema Mudo, também tinham medo da reação do público frente as suas vozes, algo que poderia lhes diminuir a receptividade.
O Artista: Os principais prêmios da noite para o Cinema Mudo |
Enfim, o Artista retrata sobre tudo isso. É também uma homenagem a todo este contexto romântico de Hollywood e também toda as dificuldades na fase de assimilação deste rompimento com o Cinema Mudo. O Artista se tornou o primeiro grande filme estrangeiro a se tornar protagonista das premiações da academia. Algo realmente bastante surpreendente.
Ambos os filmes são marcantes, e com certeza delineam um novo processo na história do Cinema. Nada mais justo então que as premiações... Vida Longa ao Cinema!
Ass: Rafael Costa Prata
Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe