segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O Artista e a Invenção de Hugo Cabret: O Oscar se rende aos primórdios do Cinema.


          

             Em pleno alvorecer da Era 3D eis que o Cinema clássico mostra a sua cara. E da melhor forma possível. Estamos nos adaptando a uma nova era do Cinema: a dos filmes cada vez mais projetados na Terceira Dimensão. É claro que este fenômeno não é tão novo assim; Já desde os anos 1980, alguns filmes eram projetados para serem vistos com aqueles remotos óculos escuros feitos com base de plástico. Mas nada comparável ao fenômeno evidenciavel nos dias de hoje. A Explosão e, sobretudo a aceitação da constatação deste novo modus operandi de produção cinematográfica se deu com o filme “Avatar” de James Cameron, do ano de 2009, que surpreendeu o mundo com a beleza do que o espaço 3D poderia oferecer ao Cinema no campo da fotografia, e como também da percepção – interatividade – do público frente ao filme que está sendo exibido.

“Avatar” : o 3D ganha o público.

            Daí em diante o 3D ganhou o público. Muitos são os diretores e os filmes que procuram se adequar a esta nova exigência, a este novo chamariz de público. Cada um de nós quer se sentir cada vez mais parte do filme, do sonho produzido. Alguns filmes conseguem, outros não. Alguns diretores exageram na medida em que direcionam o filme totalmente ao 3D, tornando-o um verdadeiro escravo do mesmo.  Contudo, felizmente esta não é a realidade de boa parte dos filmes voltados ao 3D. Os Cineastas têm percebido cada vez mais que o 3D deve ser utilizado como parte complementar, artifício de qualidade, praticamente uma Cereja no Bolo que deve rodear o roteiro e a produção do filme. Deve ser um ampliador das qualidades expostas na obra.

           Sobre isso, o Oscar de 2012 nos brindou talvez com uma obra que tenha conseguido extrair o máximo – junto com Avatar suponho - desta relação do Cinema com o 3D: A Invenção de Hugo Cabret, de direção de Martin Scorsese, 2011.

A Invenção de Hugo Cabret; o 3D para os primórdios do Cinema.

            Scorsese realmente soube extrair do 3D o que ele poderia oferecer. Os artifícios visuais, a belíssima fotografia, e uma interação com um público que se apresentou bastante intensa em toda a obra. Há momentos do filme que você se encontra “frente a frente” com o personagem, tal é a aproximação deste com você.    Curiosamente, o filme também parece querer trazer a tona, um paralelo cada vez mais atual, entre uma remota era romântica do Cinema e o mundo atual do 3D. Se na película, Scorsese nos mostra como, naquele dia 28 de dezembro de 1895, os expectadores do salão café em Paris se encontravam estupefatos com aquele rolo de filme exibindo a chegada de um trem, assustando-se com a proximidade do mesmo com gritos; não é tão diferente, a surpresa e o regozijo do público frente a essa nova dimensão explorada: o 3D. Neste sentido, se sorrimos ao ver as pessoas se assustando com o Trem, também não é de se surpreender com pessoas na sala de Cinema, fugindo do próprio Trem de Cabret que ameaça sair da tela do Cinema.

           O tom é o mesmo. Dentro desse mesmo bojo, outro aspecto primordial aflora: a curiosa emergência de um retorno as origens. Sim, 2012 foi o ano da belle époque do cinema moderno. Causa-nos surpresa constatar que “A Invenção de Hugo Cabret” de Scorsese e também o “filme mudo” de nome “O Artista” do cineasta francês Michel Hazanavicius, tenham juntos, abocanhado 10 estatuetas, praticamente quase tudo que foi oferecido pela academia.
            O Artista levou os principais prêmios da noite, entre eles: Melhor Filme, Melhor Diretor para Hazanavicius, Melhor Ator para Jean Dujardin, Melhor figurino e Melhor Trilha Sonora Original. Quanto a Hugo, seu único e principal concorrente na noite, levou tudo que podia ganhar: Fotografia, Direção de Arte, Edição de Som, Mixagem de Som, Efeitos Visuais. No critério de desempate, O Artista levou a melhor, pois das suas 10 indicações, levou 5, enquanto que Hugo que também levou 5, havia recebido 11 indicações.

Hugo e o Artista: 10 estatuetas para o Cinema Clássico

     Certa audácia me leva a pensar que por terem sido produzidos no mesmo ano, a produção de um evitou que a de outro abocanhasse quase tudo. Não porque neste ano não existissem paralelamente ótimas películas. Muito pelo contrário, junto com esses, competiam grandes filmes de monstros sagrados do Cinema, mas porque o tom de “novo”, de “inovação”, de reflexão que estas duas películas trouxeram, parece ter fascinado não somente aos velhinhos da academia, mas a todo um público em geral.
Este “cheiro de novo” é justamente o resgate do “velho”, de um romantismo, de um sabor de cinema produzido nos primórdios do Cinema. 2012 será lembrado justamente com este marcador: o Ano que Hollywood se rendeu as suas origens.
            A Invenção de Hugo Cabret, película baseada no livro de Brian Selznick, nos leva justamente as origens do Cinema. É um filme a que podemos rotular como uma película puramente metalingüística. É um filme sobre vários filmes. É um filme sobre vários gêneros filmes. É um filme sobre varias personalidades do Cinema no decorrer das décadas.  Sob o pano de fundo está à história do jovem órfão de pai e mãe, Hugo Cabret, um garoto que sobrevive de pequenos furtos, e que vive num grande relógio localizado numa estação de Trem em París.
            Não vou contar os detalhes do filme, para não estragar a oportunidade de quem ainda irá assistir. Quando a jovem Isabelle o conhece, afirma ela que nunca assistiu a um filme porque seu tio Georges nunca permitiu; No momento, ela está apaixonada pelas aventuras de David Copperfield. Ora, nesse ponto, também parece um aspecto de metalinguagem, pois, o personagem Hugo também remonta em muito as personagens órfãs e pobres do escritor inglês Charles Dickens. Não é, portanto só o Cinema quem é resgatado nesta película.
          

Hugo: O Cinema sobre o Cinema.
           
            Enfim, Hugo nos leva a uma fascinante aula sobre Cinema. Sobre suas origens, suas tendências e vertentes, e, sobretudo sobre seus grandes pais e como não devemos esquecê-los. A Metalinguagem da película nos leva a um garoto pendurado em um grande relógio, assim como o comediante Harold Lloyd em “Safety Last” de 1923, faz referencias claras a Charlie Chaplin – como a moça florista no centro da estação, clara alusão ao filme “Luzes da Cidade” de 1931 – e também a Buster Keaton – com as gags ou estripulias do proprio Hugo em suas fugas na estação -.

            A própria personagem do comediante Sacha Baron Cohen é uma homenagem aos caricatos policiais tão comuns nas comédias do Cinema Mudo, seja de Charlie Chaplin, Buster Keaton ou algum outro comediante.  Da metalinguagem, abre-se ainda um livro para se referir a Griffith com seu clássico “Intolerância” de 1916, a um dos primeiros filmes do Cinema chamado “O Grande Assalto de Trem” do ano de 1903, e outras tantas películas.
Safety Last de Harold Lloyd: Uma referência mais do que clara em Cabret.
          Hugo nos leva ao universo do esplendor de Hollywood; Uma fase áurea da maquina de sonhos, do fazer é permitido. Época das grandes películas com trens, grandes relógios e inovações da tecnologia. Também do estranhamento e da reflexão frente a um mundo cada vez mais autômato. Daí a sensacional referencia ao autômato recriado no filme, que também nos faz recordar ao “robô Maria” da película “Metropolis” de Fritz Lang, do ano de 1927.

Metrópolis: O Autômato sempre esteve no pensamento humano

            O Filme é, em suma e principalmente, uma ode a Georges Meliés, este grande visionário e mágico do Cinema. Pai dos efeitos especiais, Meliés é ainda hoje pouco reconhecido, talvez por, como o próprio filme retrata, grande parte de suas obras terem sido perdidas com o tempo. A Grande sacada da obra é justamente essa: nos leva ao universo romântico do Cinema se utilizando de toques de drama, do olhar de duas crianças estupefatas ao adentrar em um mundo ainda não percebido e compreendido.

Ben Kingsley como Georges Meliés: Homenagem sensacional.
 
          Hugo certamente atingiu seus objetivos. De igual maneira é a película “O Artista” de Michel Hazanavicius. É um Filme mudo. Conta a história de um grande ator dramático e de musicais, interpretado pela grande surpresa Jean Dujardin, que se encontra amedrontado pela recente chegada do Cinema Falado. Ora, esta foi uma realidade mais do que comum e assustadora para muitos dos artistas da era do Cinema Mudo. O Pertencimento ao gênero mudo fazia com que muitos deles não acreditassem ou suspeitassem do gênero falado; caso comum disso foi à difícil passagem de Buster Keaton para o gênero falado; Charles Chaplin também sofreu, mas soube reverter a situação. Algumas atrizes, como Mary Pickford, a queridinha do Cinema Mudo, também tinham medo da reação do público frente as suas vozes, algo que poderia lhes diminuir a receptividade.
          
 
O Artista: Os principais prêmios da noite para o Cinema Mudo
     
           Enfim, o Artista retrata sobre tudo isso. É também uma homenagem a todo este contexto romântico de Hollywood e também toda as dificuldades na fase de assimilação deste rompimento com o Cinema Mudo. O Artista se tornou o primeiro grande filme estrangeiro a se tornar protagonista das premiações da academia. Algo realmente bastante surpreendente. 
         Ambos os filmes são marcantes, e com certeza delineam um novo processo na história do Cinema. Nada mais justo então que as premiações... Vida Longa ao Cinema!


Ass: Rafael Costa Prata
Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Estatuetas “póstumas” do Oscar: O Talento vence a única certeza que temos na vida.

          
         
         Infelizmente a morte chega para todos. Não seria diferente para os grandes atores e atrizes do Cinema. São de carne e osso como somos nós. Contudo, a imortalidade daqueles reside no talento que ultrapassa épocas, que irrompe e vence as barreiras da morte, ultrapassando toda a nossa perene e limitada atuação física humana.
        Por assim dizer, Hollywood presenciou no decorrer de seus 90 anos de História, a algumas tristes situações do gênero, quando a morte aparecia diante dos candidatos aos prêmios do Oscar. Não é um fato tão comum, mas percebemos algumas eventualidades no decorrer das décadas.
        É de extrema importancia mencionar que, grande parte dos falecidos se encontravam na disputa pelos prêmios, não por uma homenagem póstuma – que muito bem seria representada por um Oscar Honorário – mas sim por seu talento em vida, pelas atuações recentes que lhes possibilitaram a adesão na lista de indicados. O Acidente de percurso é justamente a morte, pois, não sendo assim, estariam estes da mesma forma sendo indicados aos prêmios.
        Desta maneira, a titulo de curiosidade, podemos citar alguns casos que exemplificam tais situações:
        Recentemente um caso ganhou notoriedade. Aconteceu que infelizmente o grande ator Heath Ledger falecera durante as gravações do filme “O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus” em janeiro de 2008. Acontece que o ator, por sua extraordinária atuação no filme “Batman – The Dark Knight”, onde representava o Joker ou o Coringa, em uma atuação que com certeza está entre as dez mais fantásticas da história – pelo menos na humilde opinião de quem aqui escreve -, foi indicado ao premio de melhor ator coadjuvante do ano de 2009. Premio que mais do que merecidamente venceu, tendo sua família recebido a premiação em seu lugar. Foi talvez um dos momentos mais tristes e emocionantes da história de Hollywood.

Heath Ledger como Coringa: Há quem diga que o ator sucumbiu a perfeição da sua própria atuação.
        Outro caso tão clássico e tão marcante quanto, e que até certo ponto lembra o ocorrido com Ledger, aconteceu com o grande astro do Cinema, James Dean.  Acho até que esse foi o momento do gênero mais marcante de todos. Dean no decorrer dos anos 1950 acostumou Hollywood a vislumbrar todo o seu talento, tendo em pouco tempo, atuado em grandes produções da academia, se tornando verdadeiro símbolo de rebeldia, em suma, símbolo de um rebelde sem causa e/ou juventude transviada, titulo aliás de um dos seus grandes filmes de sucesso.
        Durante as gravação do fantástico filme “Giant”, intitulado aqui de “Assim Caminha a Humanidade”, no ano de 1955, do diretor Georges Stevens, na qual este atuava com outras lendas do Cinema como Elisabeth Taylor e Rock Hudson, Dean acabou falecendo num acidente de carro fora do set de filmagem. Dean era fanático por corridas de alta velocidade, tendo inclusive este fator se tornado uma característica pessoal até em seus filmes. Dean faleceu aos 24 anos de idade, no auge de seu sucesso. No ano de 1956, foi indicado aos prêmios de melhor ator para os filmes “Vidas Amargas” e o próprio “Assim caminha a humanidade”.

James Dean: o simbolo da rebeldia juvenil morreria em um acidente de carro.
        Outro caso que também permanece na lembrança do público se deu no ano de 1994, quando o ator italiano Massimo Troisi, após maravilhar o mundo com sua atuação no filme “O Carteiro e o Poeta” acabou falecendo com um ataque cardíaco. Não se esqueceram de sua atuação, sendo este indicado também ao premio de melhor atuação no ano de 1995, quando o filme foi exibido.

Massimo Troisi: Quando o mundo se encantava com a atuação deste ator italiano, veio a morte.
        Estes acontecimentos também podem ser encontrados lá nos primórdios do Cinema, em sua chamada Era de Ouro, entre as décadas de 1920 – 1940. Aliás, o primeiro episodio do gênero ocorreu já na primeira entrega do Oscar, quando a atriz Jeanne Eagels, falecida no ano de 1929, foi indicada ao premio de melhor atriz pelo filme “The Letter”. Dez anos depois, um dos grandes atores da era de ouro do cinema mudo, Douglas Fairbanks, acabou sendo premiado com um Oscar Honorário em 1939 por toda a dimensão de sua carreira.

Jeanne Eagels: A primeira indicação póstuma, na abertura do evento em 1929.
        Já nos anos 1960, outro fenomenal ator de nome Spencer Tracy, de clássicos como “O Julgamento de Nuremberg”, acabou sendo indicado ao premio de melhor ator do ano de 1967, por sua atuação em “Adivinhe quem vem para o jantar?”.  Tracy não pode comparecer pois havia falecido no ano anterior por conta de um ataque cardíaco que lhe retirou a vida.

Spencer Tracy: A História do Cinema passa por este grande ator.
        Na recente década de 1990, outra lenda do Cinema acabou entrando para esta triste lista. Audrey Hepburn, uma das maiores atrizes que o Cinema já viu, perdia a batalha para o Câncer no ano de 1993. No mesmo ano, a academia reconhecia toda a sua importancia, conferindo a sua família, um premio por toda a carreira. A Estatueta faria companhia a já ganha no ano de 1953 pelo filme “A Princesa e o Plebeu”, entre tantas outras, dessa atriz que é um das únicas a ganhar prêmios em todas as dimensões da arte: Oscar (Cinema), Tony (Teatro), Emmy (TV) e Grammy (Música).

Audrey Hepburn: Em 1993, o Cinema perdia a eterna bonequinha de luxo.
        Enfim, algumas outras menções a personalidades poderiam ter encabeçado essa lista; Não somente para atores e atrizes, mas também para diretores e roteiristas que infelizmente entraram neste rol. Contudo, como fica visto, o que não se pode apagar nem com a presença da morte, é o talento inegável de cada um destes, que anos e anos após o perecimento, continuam encantando e renovando a alma daqueles que amam a sétima arte.
        Foi-se o corpo. Fica o talento.

Ass.: Rafael Costa Prata
Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Freaks: Quando os monstros somos nós mesmos.


1. Introdução

       Freak: Aberração, Monstro. Ao consultarmos algum dicionário que apresente traduções do inglês para o português, certamente encontraremos tais designações para esta palavra.  Contudo, o que em especial deve nos assustar e chamar bastante a nossa atenção ocorre quando paramos para compreender a utilização desta palavra em algum momento especifico em destaque; em qual ocasião foi utilizada, em qual pano de fundo histórico, quem dita e rege a ofensa, e quem sofre a pungência da rotulação.
         Termos como este ganham especial força quando se inserem dentro de um quadro ideológico, cuja sua utilização praticamente se torna parte de uma cartilha segregadora, discriminatória, definidora dos direitos de inserção - ou não – dos sujeitos em sociedade.
         Daí que eu direciono o olhar de análise para um filme de titulo homônimo ao termo inicial deste texto: “Freaks”. Lançado no ano de 1932, esta película não nos chamaria atenção se não abordasse alguma temática em especial; A começar, o título poderia muito bem estar associado a filmes de terror com temáticas vampirescas e/ou monstruosas, como Drácula e Frankenstein, bem comuns no Cinema, durante o apogeu do gênero “Terror” nos anos 1930 – 1940.

Drácula e Frankenstein: Dois "Freaks" característicos do Terror dos anos 1930 - 1940; Vários filmes do gênero sobre as personagens em questão, marcaram época.
         Mas não era essa a questão. Muito pelo contrário, a temática adotada neste filme, surge como um contraponto, ou uma resposta de Mercado, a emergência e ao sucesso destes filmes de terror naquele momento. Na verdade, os anos 1930, foi o momento do auge da rivalidade entre as produtoras Universal Pictures e a MGM, que digladiavam ferozmente pela hegemonia das salas de Cinema, utilizando-se para tal, além dos clássicos românticos de sucesso, de filmes com grande apelo emocional – e de mercado – como eram aqueles pertencentes ao gênero Terror.
         A Universal Studios havia lançado em 1931, o grande sucesso “Frankenstein”, cuja “criação” foi interpretada pelo imortal astro do gênero, o ator Boris Karloff. O Filme foi um sucesso imediato, fazendo com que no mesmo ano, a Universal também levasse as telas, a história de “Drácula”, também marco do gênero, esta dirigida por Tod Browning, interpretado por outra lenda do gênero, Bela Lugosi, ator que certamente acabou ditando os transmites de interpretação da figura vampiresca aos demais atores que se aventuraram a interpretá-lo.
         A Alta cúpula da MGM ficou estupefata e ao mesmo tempo furiosa com o sucesso atingido por tais filmes, de forma que deveria encontrar em pouco espaço de tempo, uma resposta satisfatória e que alavancasse novamente a disputa pelo terreno. Segundo consta, os chefões da MGM – Irving Thalberg e Louis B. Mayer – encomendaram ao roteirista Willis Goldberg "qualquer coisa ainda mais horrível que Frankenstein".
Na foto: a esquerda, Irving Thalberg, e a direita Louis B. Mayer: Entrariam em choque durante os bastidores de produção do filme "Freaks" em 1932.

         O Resultado teria sido o Roteiro de “Freaks”. Ao ler o roteiro da película, se conta que Louis B. Mayer teria ficado horrorizado com a proposta apresentada pelo filme. Não somente pelo que seria levado as telas, mas, principalmente, pela necessidade da existência do chamado “Bastidores” para o filme.
         Em suma, Louis B. Mayer tentou vetar a execução da produção, entrando em atrito com o proprio Thalberg, na medida em que não desejava conviver com os atores e atrizes que participariam do casting do filme. Louis B. Mayer não era anti – social, costumava observar a produção dos filmes de sua produtora, mas, dentro do que apresentava aquela especial película, algo parecia incomodá-lo.
         Não obstante, enxergamos justamente nesse “Algo”, o espírito de uma época, e porque não dizer, algo que parece permanecer forte até os dias de hoje: O Preconceito. Nesse caso em destaque, o preconceito as pessoas com necessidades especiais, sejam estas deficientes físicos ou pessoas portadores de alguma síndrome genética.
          Contudo, o projeto não foi engavetado. Por conta de seu alto potencial de arrecadação, Louis B. Mayer saiu de cena, e então o filme pode então ser levado às telas, diga-se de passagem, com um pequeno patrocínio, haja vista que boa parte do casting era composto por atores desconhecidos e outra parte por amadores. Na escolha da direção, nada melhor que “puxar o tapete” da concorrência: a MGM seduziu a Tod Browning – aquele que no anterior havia dirigido Drácula pela Universal – que aceitou a proposta, e que de certa maneira, como explicaremos, tal escolha refletiu muitos traços de sua infância.

Tod Browning: Grande diretor dos filmes de Terror da Universal, foi atraido para a MGM, para dirigir um filme "diferente".
         O Filme foi rodado em 1932, e imediatamente causou furor e aversão por todas as salas de Cinema em que fora reproduzido. Pessoas abandonavam ao filme no meio de sua execução, a crítica especializada não poupava esforços em negativizar aquele filme, sendo assim, em pouco espaço de tempo, curiosamente, o filme foi engavetado, tendo sido apenas resgatado trinta anos depois de sua produção, durante os anos 1960, quando o filme se tornou um filme “Cult” para amantes do gênero e também objeto de análise para estudiosos do Cinema, como também da História, justamente por, na suas entrelinhas - pelo já dito clima de bastidores, o enredo e a recepção – apresentar um quadro fiel ao espelho do contexto histórico em que está inserido.

      Esta análise também objetiva tal proposta. Mas está longe de encerrar as discussões e os enfoques subjetivos que são dados ao filme. Na verdade, reiteramos o nosso intuito de, muito além de analisar os aspectos técnicos e artísticos da obra, entende-la frente ao contexto histórico em que foi produzido, reforçando cada vez mais, a velha máxima de Marc Ferro, na sua defesa da chamada “Leitura histórica do Filme”.
         É certo que todo tipo de preconceito ainda hoje insiste em existir, no tocante a várias questões possíveis. Mas devemos aqui nos transportar aos conturbados anos 1930 em que o filme foi produzido. 

2. O Contexto histórico mundial [1]

         É certo que todo tipo de preconceito ainda hoje insiste em existir, no tocante a várias questões possíveis. Mas devemos aqui nos transportar aos conturbados anos 1930 em que o filme foi produzido.
         O principiar do século XX foi marcado pelo fortalecimento de ideais cientificas preconceituosas, que concebidas ainda durante o ultimo quarto do século XIX, ganharam dimensões catastróficas no decorrer do século XX.  Já em 1884, Francis Galton procurou denominar uma nova ciência que ganhava força nos círculos científicos europeus, como eugenia. Tal ciência de destaque passaria dali à diante, a estudar o sangue humano, a procurar em certo “germe – plasma” os motivos da hereditariedade – e principalmente, do que consideravam uma “hereditariedade doentia”.

Francis Galton (1822 - 1911) : Em 1884, cria um nova ciência, a Eugênia.

         Logo, a ciência eugênica se espalhou por todo o mundo, chegando entre 1904 a 1910, entre vários países, como a Alemanha e os Estados Unidos. Rapidamente os “Centros de excelência cientifica” se converteram em verdadeiros balcões eugênicos, e o foco das universidades do ramo, passaria a ser, o estudo das chamadas “raças humanas”,partindo de uma viés tosco de analise da Teoria da Seleção Natural de Darwin, promovida tanto por Galton como também por Mendel, que espalharia a utilização deste conceito mundialmente, a partir da decada de 1910.
         Entendiam que certas “raças” possuíam predisposição a algumas características, que lhes eram inatas, independente de qualquer tentativa de inculcar-lhes nova tendência e/ou retirar-lhes algo que lhe fosse proprio: Assim fortaleceu-se em cadeia, a idéia dos judeus como avarentos e hábeis negociadores, os negros e asiáticos como sujeitos inferiores, e obviamente, a elevação, a gloria do homem branco, de origem nórdica, como a perfeição dentre as raças humanas.
        Dentro deste “critério selecionador”, que era amplamente difundido e visto como inovação cientifica a ser respeitada não somente em meios acadêmicos, como em expressões culturais diversas – dai o fato de termos aqui em nosso país, figuras como o aclamado Monteiro Lobato, defensor ferrenho da Eugenia, acusando ao misticismo nacional a culpa pelos “problemas do Brasil” -, também apareciam aqueles que geneticamente acabaram sofrendo as “conseqüências” desta “mistura e/ou choque de raças”, os quais eram justamente, as pessoas que nasciam com necessidades especiais e/ou síndromes genéticas.

Monteiro Lobato (1882 - 1948) : aclamado escritor brasileiro, entre obras de cunho nacionalista, Lobato deixava claro a sua visão "particular" sobre o país: No Sítio do Picapau amarelo, ofendia claramente a figura da Tia Anástacia, personagem negra da obra. Ainda no mesmo bojo, em sua única novela internacional, conhecida como "O Choque das Raças ou O Presidente Negro", Lobato apresenta um fim apocaliptico para uma obra inteiramente polêmica.

         Cientistas de todo o mundo procuravam, muito menos na analise genética do que no dito preconceituoso, responder a “origem” das síndromes genéticas; e muito longe de apontar tratamentos e vias de melhorias de condições da vida para as pessoas, entendiam que só havia uma única solução: a purificação da raça, do sangue. O Meio? A Castração, e em uma hipótese não tão distante, o extermínio.
         O Palco da execução destas idéias, todos nós sabemos. Começou com os experimentos nos centros americanos, na separação entre os sujeitos considerados de “raças diferentes” quando casais de negros e brancos eram separados a força, e culminou nas assombrosas fabricas de morte, constituídas pelo regime nazista, ainda no decorrer da década de 1930, quando o regime assumiu o país. Ao contrário do que se pensa, os campos de concentração não “surgiram imediatamente” no nascer da segunda guerra, em 1939, mas, eram em verdade, edificados lentamente em concreto, e na alienação mental de todo um povo construída gradualmente, nas lides iniciais desta dita década, após a ascensão do Nazismo ao Poder em 1933.
           O Filme “Amém” do diretor grego Costa Gravas, do ano de 2002, demonstra muito bem como o regime nazista importou esse “conceito eugênico” das experiências americanas – tendo inclusive Hitler em uma de suas cartas, dito que devia muito aos Estados Unidos por isso – edificando lentamente a partir de 1933, na mente da população alemã, tais idéias, para dar-lhes as “soluções e a resposta do motivo da crise econômica e social em que viviam”.


“Amém”, dir. Costa Gravas, 2002: O Filme mostra bem como se deu a alienação da população, e a edificação de uma industria da morte, bem antes da eclosão da Segunda guerra mundial. Os Campos de Exterminio realmente tiveram seus fetos antes da Guerra.
          Dos Programe, ocorridos em massa durante o ano de 1934, veio à delação e a perseguição brutal aos judeus.  Dentro do proprio seio familiar, pessoas levavam seus entes queridos para “manicômios” acreditando estarem perpetrando uma medida de cura. Na verdade, como bem mostra Costa – Gravas, eram estes manicômios ou casas de recuperação, proto – fabricas da morte. Locais da experimentação em micro escala, do que se constituiria em Auschiwtz e outros tantos campos poucos anos em frente.
         Enfim, foi esse o contexto histórico em que se enquadrou o filme “Freaks”. A pergunta em questão é: Como pensar um filme cujas personagens em grande maioria são portadoras de necessidades especiais e/ou síndromes genéticas?

3. Os Bastidores, a produção e a recepção da obra:

Freaks", dir. Tod Browning, 1932: Combates e Embates em torno da película.
         Não só a recepção da obra fala muito, como também o ponto inicial de sua produção. Ora, quando Louis B. Mayer pede aos roteiristas que escrevam algo demasiado assustador, nos aparece como “curioso”, para não dizer amedrontador, que a solução encontrada, e que para eles era horripilante, era empreender a um filme com essas características.
         O Preconceito esta no cerne de todo o filme; dos seus bastidores até a sua recepção dentro das salas do Cinema. Contudo, coube a uma pessoa, parece que exceção a regra, o diretor Tod Browning, a conduzir um filme que se apresenta como extremamente atemporal e contraposto as essas questões. Podia ele abusar dessa ojeriza popular e conduzir o filme a uma exibição atormentada daquilo que era mal visto e mal desejado pela sociedade.
         Sua atitude, entretanto, foi completamente contrária a isso. Talvez por sua experiência na vida real, dentro do que seria o enfoque central do filme. Tod Browning havia sido criado em um ambiente de circo; Não um circo comum, mas o chamado “Circo de Horrores” que era tão comum nos Estados Unidos do fim do século XIX e inicio do século XX, como qualquer outra coisa. Neste tipo de circo, pessoas com deficiências físicas e mentais de todos os gêneros eram recrutadas, muitas delas ali trabalhavam como conseqüência de um abandono familiar, para se tornaram “estrelas” de encenações circenses, que iam desde a “Mulher – Barbuda” até o “Homem – Cobra”.
       Pessoas portadoras de síndromes mentais eram recrutadas com o simples intuito de andarem no tablado do circo e desta “participação” provocarem risos ensurdecedores de todo o público. Browning soube muito bem demonstrar isso no filme a partir da participação de três personagens em especial: três irmãs portadoras de uma síndrome, cujo nome desconheço. Ambas possuem uma aparência juvenil por conta da síndrome. Daí era comum vestir-lhes com roupas de criança; O Resultado: a alegria de um público. É o Fetiche do deboche, do preconceito.
         Dessa infância circense, veio à idéia do roteiro para Browning. Após a aceitação do roteiro pela MGM, durante sua produção, alguns “fatos curiosos” podem ser indicados. Conta-se que durante uma reunião em um restaurante, para a apresentação do casting de elenco, Browning levou seu casting de atores. Na mesa, além de Louis B. Mayer, estava uma gama de grandes atores da época, que para evitar a decepção dos leitores, não irei citar. Todos ficaram horrorizados com o “casting”. Como resultado, foi construída na sede da MGM, uma sala de alimentação separada para os mesmos. Digamos que um Apartheid alimentar dentro dos estúdios da MGM.
             O Filme foi produzido com um pequeno custo de produção, alcançou o furor dito, e como conseqüência Browning acabou sendo rechaçado pelo proprio Louis B. Mayer - que já havia “desconfiado” inicialmente da proposta do filme – e do proprio Tallbert que lhe havia depositado “confiança” no enredo. Durante a sua produção, Browning contou com uma censura implacavel do proprio Louis B. Mayer que de tão pesada, acabou diminuindo o tempo de duração do filme, para pouco mais que 1 hora de duração. 
            Isso tudo porque o "ousado" Tod Browning havia escrito um roteiro que permitisse a participação efetiva de boa parte dos personagens "freaks", incluindo muitas cenas com "Zoom" nas expressões, atos e ações das personagens, as quais foram incisivamente "cortadas" do filme, sobrando apenas algumas boas cenas deste tipo. 

O Sorriso no rosto: uma marca em todo o filme.

               O Filme que é bastante reflexivo, poderia assim, ter sido mais ainda, se não tivesse contado com esta censura imposta. Como consequência, o filme ganha um rítmo eletrizante do ínicio ao seu fim, e de certa maneira, feito sob esta forma, o filme nos permite entender em poucas imagens, o universo de preconceito em que aquelas pessoas eram obrigadas a conviver, mas que curiosamente, conseguiam recriar o amor perdido, muitas vezes desde o berço do abandono, nos braços de seus "semelhantes"; Daí a curiosa menção feita pelo filme, dos costumeiros casamentos ocorridos entre os "freaks" no circo, entre pessoas com sindromes diferentes até, atropelando qualquer adversidade que poderia ser apontada. Tudo isso com uma particular ironia que não esconde a beleza de sentimentos naturais e a natureza de eventos comuns a vida de todos nós.

Na cena: O Pedido de Casamento de um "gago" a uma das irmãs siamesas.

         Enfim, como consequência "disso tudo", Browning foi exilado dos estúdios da MGM; aquele que era o grande diretor de filmes de terror do gênero, com grandes sucessos em ambas as produtoras rivais, nunca mais voltaria a produzir algo em Hollywood. Morreu em 1962, esquecido por todos. Todos os “normais”. Com certeza, não pelos seus amigos do Circo.
         Browning havia demonstrando nas telas, certas verdades que a “Era de Ouro de Hollywood” não desejava enxergar. A Década da beleza das grandes atrizes loiras, e dos galãs de colarinho, não entendia como alguém teria tido coragem de empreender a um filme “horrendo” como aquele.
         Como alguém havia tido coragem de contratar como parte central de todo um casting, um elenco de pessoas que viviam no circo de horrores mais famoso do mundo a época – o chamado Circo dos Horrores do empresário Barnum – e retratar-lhes nas telas como seres humanos, com sentimentos e expressões como qualquer outra pessoa?

Circo dos Horrores de Barnum: Todo o casting do filme foi contratado do Circo deste "Showman".

         Que ousadia! Mais do que isso! Eram eles personagens principais da obra! Mais ainda! A Mensagem moral do filme mostra os seres tido como “normais” como “por dentro” sendo de uma natureza pérfida, fria, dissimulada, arrogante, e cheia de maldade. Quanto aos “Freaks” são pessoas comuns, são doces, vivem em harmonia, apresentam sentimentos, choram, sorriem, sentem e trocam carinho... e são abusadas pelas pessoas “normais”. 

Os “Freaks” em comunhão: O Bem estar de um, é o de todos!

         Os Freaks, aliás, são motivo de chacotas, de enganações, e outros males. Possuem um senso de união fora do comum, o sofrimento de um é o de todos. Algo que falta no modus operandi do homem “normal” capitalista, reduzido a esfera do seu ego sujo que reside em seu proprio umbigo.
         Enfim, vale demais assistir ao filme. Freaks é um soco no estomago com uma beleza inigualável. Não há nada de assustador no filme. Pelo contrário, é uma poesia da simplicidade, onde o horror está do lado de cá! Não de lá!
         Atemporal. Freaks meche em uma ferida que não pode ser encerrada dentro de um curto espaço de tempo. É a ferida do preconceito diário, ainda tão rotineiro nos dias de hoje.
         Freaks, em especial, de maneira sutil e direta, nos ajuda a compreender, como na maioria das vezes, os monstros na verdade somos nós mesmos.

Ass.: Rafael Costa Prata
Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe.



[1] Cf.: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. O século XX: entre luzes e sombras. In: O século sombrio: uma história geral do século XX. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.p.1-25.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Nunca houve uma mulher como Bettie Page.


           Ela é um mito. Mesmo após sua morte. Cultuada até os dias de hoje, “O Anjo Escuro” ou a “Rainha das pin – ups” com certeza deixou sua marca indelével na história recente não só do Cinema, como mais ainda, da fotografia, e porque não dizer, da ruptura do conservadorismo frente à sensualidade e/ou a expressão da beleza feminina.
         Media 1,66m. Tinha como característica marcante sua incomparável franja negra que lhe cobria a testa, oriunda dos seus cabelos lisos e pretos. Não foi a mulher mais bonita de sua época. Certamente foi a mais sensual. Por essência, diga-se de passagem.
         Nascida em Abril de 1923, Bettie explodiu no submundo da fotografia “erótica” em meados dos anos 1950, no auge da sua maturidade física e, sobretudo como mulher. Ao contrário do que se pensa, Bettie foi muito além do que um mero rostinho bonito – e corpo fantástico é claro -; Bettie não deixou de se mostrar como uma mulher de vanguarda, que irrompeu frente ao conservadorismo e a repressão característica de uma sociedade patriarcal e machista naqueles Estados Unidos de outrora – como em outras partes do mundo a época também é claro.

Bettie: No começo de sua carreira.
 
         Filha de uma família conservadora, Bettie desde cedo soube se mostrar uma mulher independente, e que sofrendo desde jovem, as “conseqüências” de ser visivelmente linda, teve que arcar com os “prejuízos” de tal característica. Isso foi marcante em sua trajetória. A Bettie parecia que todos que se aproximavam de si, assim faziam por conta de sua beleza. Não mais que isso. Sua história remonta a um abuso infantil, a um casamento mal sucedido com um jovem, e a um estupro ocorrido ainda em sua adolescência.
         Bettie queria ser atriz. Foi atrás de seus sonhos na antiga Nova York. Para sobreviver, trabalhou como secretária em uma firma enquanto estudava para se tornar atriz. E é claro, seu rosto não passaria despercebido naquela cidade que emulava beleza.
         Em pouco tempo, Bettie começou a participar de sessões de fotografia, onde toda a sua beleza estonteante passou a despontar e a chamar a atenção. Mais do que beleza, Bettie tinha um quê de sensualidade natural, que fazia de suas “caras e bocas” a mais pura expressão da sensualidade. 
          Daí em diante a carreira de Betty decolou. De um policial que nas horas vagas trabalhava como fotografo, surgiu a indicação a Bettie para utilizar sua clássica franja negra frente a sua testa “redondinha”. Nascia ali a caracterização perfeita da mais clássica pin – up da história: Bettie Page.

Bettie e sua franja clássica: sugestão de um policial - fotográfo.

             Sua vida frente às lentes fotográficas demorou menos que 10 anos de apogeu. Assim como acontecia com outras modelos da época, quando o tempo parecia atingi-las, em uma profissão que exigia a extrema beleza juvenil. Bettie nunca conseguiu ser a atriz que desejava. Talvez a fama que obteve frente a sua carreira como modelo sensual, prejudicou seus objetivos. 
            Não importa. Bettie foi o que podia e devia ser. Ela sabia disso. Era seu talento. Provocar. Dissimular.  Bettie provocou uma revolução sexual nos Estados Unidos. É claro que pin – ups existiram antes dela. Mas nenhuma delas conseguiu irromper até os olhares de admiração nas ruas americanas. Era tudo velado, reprimido. Bettie assinava autógrafos. Bettie provocou uma reação da extrema direita americana contra “os desvios de conduta sexuais”.
         Bettie era o cão com rosto de anjo. Uma menina do interior do Tennessie, religiosa, causou alvoroço nos Estados Unidos, influenciando até o meio cinematográfico, com o arquétipo de “mulher sensual e independente” que esta oferecia dali em diante.  

Bettie Page: A Rainha das Pin - ups.
           Traço característico desta influência pode ser visto no grande clássico cinematográfico do diretor Russ Meyer chamado “Faster, Pussycat! Kill! Kill!” do ano de 1965, que reflete intensamente o auge da revolução sexual, da “força bruta feminina”, onde curiosamente, a personagem principal do filme, interpretado pela também bela atriz Tura Satana, apresenta as mesmas características físicas de Bettie. Enfim, uma homenagem no calor da época.

Tura Santana em "Faster": Inspiração em Bettie, as franjas que o digam.
            
          Bettie casou-se três vezes, mas separou-se em todas as ocasiões. Morreu em 2008. No fim de sua vida, havia trazido a tona todo a sua fé, tornando-se uma ativista religiosa, algo que nunca havia abandonado durante seu tempo de apogeu como “pin – up” ao contrário do que se imagina ou se costumava entender. Bettie era bem religiosa. Quando perguntada por um de seus fotógrafos, qual seria a sua reação se Deus estivesse vendo o que ela fazia, Bettie respondeu que agiria naturalmente, pois acreditava que cada pessoa tinha um dom especifico; Deus havia dado a ela o dom da pose, de ser fotografada. O Dom da Sensualidade.
         Bettie, portanto não foi só um rosto bonito, vazio e sem contestação. Foi ponto de ruptura. Ponto de desequilíbrio de uma sociedade marcada pela hipocrisia e pela repressão da sexualidade; Furacão de uma época. Muito além da sua beleza, Bettie retirou a sensualidade por detrás dos panos dos porões sujos de Nova York. Dela em diante, esse aspecto passou a ser valorizado. O Fenômeno das pin – ups, das mulheres fatais passou a ser cultuado e valorizado a partir desse momento. Marilyn Monroe já era famosa na época de Bettie. Certamente sua fama deve muito ao “reforço” dado por Bettie.
         Enfim, felizmente em 2005 foi produzida pela HBO, uma Biografia da mesma, chamada “Notorius Bettie Pagge”. Interpretada de forma magistral por Gretchen Mol – por sinal, nunca vi uma atriz estar tão idêntica a uma pessoa como esta – o filme mostra em 90 minutos a infância, a adolescência – e os “problemas com sua beleza” – até o apogeu artístico de Bettie como a Rainha das Pin – ups, e também o furor causado na época.

Gretchen Moll: Personificação perfeita de Bettie Pagge.

         Vale muito assistir. Para quem gosta de Cinema, para quem curte fotografia, para quem curte cultura vintage, para quem curte pin – ups, para quem procurar compreender a repressão, o conservadorismo, e a sensualidade como rompante em uma sociedade.
         Deve assistir quem é fã de Bettie Page. Nunca houve uma mulher como aquela. Certamente. Uma Franja.

Ass: Rafael Costa Prata
Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe.

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