quinta-feira, 29 de maio de 2014

“Che: causa perdida” (1969): a primeira “biografia” cinematográfica da Revolução Cubana nasceu em solo americano...

Passados mais de cinquenta anos do ocorrido, a Revolução Cubana, uma série de filmes e documentários, de tempos em tempos, procuram reconstituir suas visões sobre os acontecimentos que engendraram este evento marcante da metade do século XX. A história do grupo de guerrilheiros, comandada por Fidel Castro e Che Guevara, na luta pela libertação de Cuba frente aos Estados Unidos, simbolizada na dependência de seu presidente Fulgêncio Batista, continua assim, a ser levada cotidianamente as telas do Cinema por produções de vários países.
Pois é, lá no distante ano de 1969, portanto, no “aniversário” de dez anos da revolução, e também dois anos após a morte de Che, foi produzida a primeira película sobre o evento. A película “Che: causa perdida” foi produzida ainda no calor das “consequências” da revolução, num momento de interpretação de suas causas, consequências.
Curiosamente, a película foi produzida nos Estados Unidos, o “país algoz” do evento. Sim, a película conta com um grande elenco cinematográfico, a começar pelo grandíssimo cineasta Richard Fleischer, e pelos grandíssimos atores Omar Sharif (Che Guevara) e Jack Palance (Fidel Castro), além da composição sonora de um dos maiores gênios da história do cinema, o músico húngaro Lalo Shiffrin.

A esquerda, Jack Palance como Fidel Castro, e a direita, Omar Shariff como Che Guevara. 

Uma verdadeira epopeia hollywoodiana. A película se inicia descrevendo os últimos momentos de vida de Ernesto Che Guevara, partindo então para um flashback onde passa a se descrever sua inserção no grupo de Fidel e a posterior participação na revolução cubana.
Bom, o resto da história já conhecemos. O que não podemos deixar de perceber é o caráter “ousado” da obra. Ora, produzir uma película “enaltecendo” o rival recente de seu próprio país, passados pouco mais de dez anos do ocorrido não deixa de ser uma atitude ousada, ainda se tratando de um ambiente tão conservador e alinhado a ideologia norte-americana como sempre foi a industria cinematográfica.

Polêmicas a parte, a caracterização física das personagens beira a perfeição no filme.

Obviamente que, para tal, além da dita “ousadia” havia um posicionamento político claro: o diretor Richard Fleischer havia pensado o projeto, a partir do roteiro de Michael Wilson, um homem de esquerda que figurava inclusive como um dos cabeças da lista negra do Macarthismo.
No entanto, o aspecto mais curioso em torno desse filme é a sua recepção pela própria esquerda; ao que se consta o filme foi um “fiasco” em seus propósitos. A esquerda ficou furiosa frente, principalmente, a uma cena em que um camponês entrega Che aos militares porque o movimento das tropas atrapalharia a atividade de suas cabras, cena esta que daria a entender uma falta de adesão popular ao movimento. Além do que a própria representação do Che, e mais ainda de Fidel Castro, este bastante apático no filme, foi altamente criticada pela esquerda latina.

Omar Shariff como Che Guevara: o filme foi produzido apenas dois anos após a morte do guerrilheiro

Enfim, a película merece ser vista. O próprio fato de ser uma primeira representação construída ainda no calor dos acontecimentos, e por “americanos”, já chama a atenção. Ademais, a película segue uma tradicional enunciação dos fatos descritos a posteriore em outros filmes. É a saga do utópico médico asmático argentino na ilha de Cuba, tema este que até hoje reacende os mais intensos debates. No cinema começou lá, em 1969, com esse tão polêmico filme de Fleischer, que não agradou nem aos “imperialistas” e muito menos aos esquerdistas.

Mestrando em História pela Universidade Federal de Sergipe


domingo, 11 de maio de 2014

O “SuperSam” de Chapolin: uma engraçada e inteligente crítica ao histórico intervencionismo norte-americano

Com certeza, o mexicano Roberto Gomez Bolaños foi – e continua a ser – um dos maiores comediantes de todos os tempos. Seu talento ia muito além da interpretação cômica, passando principalmente pela construção de personagens que muitas vezes traziam consigo uma verdadeira crítica social, política, ou de outra ordem.
Em Chapolin, um de seus mais famosos seriados televisivos, na qual interpreta um desastrado e frágil herói que na ausência do necessário dote físico ou de “poderes mágicos” oferece apenas a boa vontade e a solidariedade como instrumento de ajuda, Bolaños nos apresentou um outro personagem caricato de natureza crítica bastante interessante: o SuperSam, interpretado pelo magistral Ramon Valdez.
O SuperSam se apresenta, visível por sua vestimenta, como uma clara mistura entre a figura do Tio Sam, o símbolo histórico dos Estados Unidos, e o Superman, o herói clássico dos quadrinhos que não deixa de ser uma outra personificação do país.

O SuperSam: uma clara mescla entre o TioSam e o Superman

Mas o que se torna mais interessante nessa sátira é o seu conteúdo. O SuperSam que não é uma figura constante nos episódios, aparece em poucos episódios, sempre dotado de uma clara crítica a política externa norte-americana.
Isso porque, nos poucos episódios em que ele aparece, isso se dá quando alguém em perigo ao convocar o Chapolin com os dizeres clássicos de chamamento “Ohh, e agora quem poderá nos defender?!”, quem aparece é o SuperSam, de maneira “intrometida”, sem ter sido chamado, ou seja, perpassa claramente uma crítica ao típico intervencionismo americano, característica esta que sempre impulsionou os Estados Unidos a se “intrometerem”, intervindo nos mais variados assuntos de outros países, conforme a manutenção de seus interesses políticos e econômicos.

O SuperSam sempre "intervindo" no ambiente do Chapolin

O SuperSam não é mais do que uma sátira inteligente e certeira sobre essa mais do que reconhecida característica norte-americana. Um outro fator que corrobora na construção dessa crítica se dá na já dita vestimenta da personagem: além da roupa que mescla o TioSam com o Superman, o personagem possui como arma, uma grande sacola de dinheiro com “$”, a qual quando utiliza para bater emite o som característico de uma maquina registradora, e o personagem em questão, alegremente reproduz a frase: “Time is Money”, ou seja, “Tempo é dinheiro”, numa outra clara alusão ao pragmatismo da política externa americana, quase sempre visando um ganho capital, em detrimento de qualquer valor moral.
Assim, nos próprios episódios em que o “SuperSam” aparece, Bolaños procura deixar claro a sua crítica a esse intervencionismo americano. No primeiro episódio em que esse personagem aparece, a questão já fica bastante claro na exposição do título do episódio Livrai-nos dos metidos, Senhor!. 
Em outro episódio intitulado “História de uma mina abandonada prestes a desabar, a personagem de Florinda Meza ao convocar o Chapolin em uma situação de apuro, acaba tendo que lidar com o SuperSam, que aparece para "socorre-la". O curioso nesse episódio é que quando ele aparece, passa a tocar a canção Yanke Doodle, uma canção símbolo dos Estados Unidos. 

SuperSam e sua "arma": uma sacola de dinheiro

Enfim, em alguns outros episódios, a figura do SuperSam é recorrente sempre apresentado da mesma maneira: quando alguém em perigo chama pelo Chapolin, este aparecerá de maneira intrometida, causando a insatisfação do próprio Chapolin, que tem seu “ambiente” invadido.
Fica visto então que, por meio dessa curiosa e inteligente sátira, o genial Roberto Gomez Bolaños, apresentou a sua crítica a esta tão arraigada política externa norte-americana, e sendo Bolaños um mexicano, sabia muito bem o que era contar com a quase sempre “influência” desse eterno vizinho chato.

Ass: Rafael Costa Prata
Mestrando em História pela Universidade Federal de Sergipe




quinta-feira, 1 de maio de 2014

[Músicas Históricas] Compreendendo a letra de “Biko” (1980) do cantor inglês Peter Gabriel

A História do movimento anti-apartheid na África do Sul não se resume apenas a figura magnifica de Nelson Mandela. Assim como Mandela, outros tantos homens lutaram para romper com o regime racista e segregacionista que vigorava na África do Sul desde o ano de 1948.

Com certeza, uma dessas figuras mais importantes foi o ativista Steve Bantu Biko, que durante os anos 1970, no auge do apartheid, se tornou uma das mais importantes vozes negras contra este sistema deplorável do apartheid.
Por suas palavras e por sua força, Biko foi morto. Em Setembro de 1977 foi preso pela polícia sul-africana e espancado até a morte por quase uma semana em uma penitenciaria. Biko morreu, mas sua mensagem foi transmitida.
Assim, três anos após a sua morte, o cantor inglês Peter Gabriel, ex-líder da grande banda Genesis e com certeza um dos artistas mais ativos e politizados da história da música, compôs a música “Biko” em sua homenagem, de modo a lembrar a sua vida, sua morte e os horrores do vigente apartheid. 
A Música é curta, mas é de uma beleza imbatível. Na primeira estrofe da música, Peter Gabriel canta:

Setembro de 1977
Clima agradável no Porto Elisabeth
A rotina era a mesma
Na sala policial 619

De imediato percebemos que a primeira estrofe se refere diretamente a prisão de Steve Biko naquele dito mês de Setembro de 1977, em Porto Elizabeth, na África do Sul. Gabriel deixa claro também que a prisão do ativista e de outros tantos era de natureza normal naquela conjuntura de opressão, assim “a rotina era a mesma”.
Nos dois estrofes seguintes, Gabriel continua:

Oh, Biko, Biko, Por que Biko?
Oh, Biko, Biko, Por que Biko?
Yihla Moja, Yihla Moja – O homem está morto.

Quando tento dormir à noite
Meus sonhos são vermelhos
Lá fora o mundo é negro e branco
Com apenas uma cor morta.

Nestes versos, além das lamentações pela Morte de Biko, Gabriel demonstra, por meio de  metáforas entre as cores negra e branca, a violência a que sofriam as pessoas negras na África do Sul. Nos sonhos deles, o sangue aparece, e nesse mundo segregado, se torna aparente que esse sangue jorrado são da pessoas negras, massacradas pelo regime do apartheid. É a cor negra quem morre diante dessa violência.
Na penúltima estrofe da música, Peter Gabriel informa quase como um manifesto:
Tu podes assoprar uma chama
Mas não podes fazê-lo com uma fogueira
Uma vez que as fagulhas incendeiam algo
O vento as tornará maiores
Oh, Biko, Biko, Porque Biko?

Ou seja, a mensagem é: vocês podem ter matado Biko (a chama), mas a fogueira (suas mensagens) vocês não conseguirão apagar. Muito pelo contrário, de certo, a morte de Biko ajudou a potencializar as suas mensagens e a luta contra o apartheid, na medida em que cada vez mais os olhares externos se voltaram a realidade sul-africana.
E por fim, no derradeiro estrofe da canção, Gabriel reforça esta questão:

Yihla Moja, Yihla Moja – O homem está morto.
E os olhos do mundo agora estão vigilantes.


Biko está morto, porém os olhos do mundo agora estão voltados a África do Sul.  Além da música de Gabriel, outras tantas homenagens foram feitas a Biko, como a película “Cry Freedom” dirigida por Richard Aftenborough no ano de 1987, a qual retrata a história de vida e de luta deste grande ativista político.
De certo, esta grande canção de protesto de Peter Gabriel ajudou a tornar sempre viva a memória e a mensagem deste que foi um dos grandes ativistas sul-africanos na luta contra o famigerado regime do apartheid. Biko is alive!

Ps: Segue o video da canção com a tradução:


Ass: Rafael Costa Prata
Mestrando em História na Universidade Federal de Sergipe


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