Um genuíno “Spike Lee” na
mais poderosa e furiosa essência. Um grande e eficaz soco de Mohammed Ali no estômago.
Quero começar a minha breve consideração sobre a película “The BlackkKlansman”,
aqui traduzido como “Infiltrado na Klan”, com estas expressões que seguramente
exprimem a minha imediata sensação após o vislumbre dos 130 minutos do filme. Faz-se
certo que eu não esperava outra coisa se não uma obra desta dimensão oriunda de
sua mente pensante. Spike Lee sempre soube como ninguém tratar das inúmeras
problemáticas – segregação racial, violência institucional, empoderamento e
ativismo negro, etc - relativas à história afro-americana.
1989. O ano da virada para Spike Lee. Apesar
de ter produzido filmes anteriormente a esta data, fora com a direção de “Faça
a coisa certa” que o seu nome saíra do anonimato. Contundente, esta
comédia-dramática se tornara rapidamente um sucesso de crítica e de público ao
problematizar o pungente clima de tensão racial existente nos bairros do
Brooklyn, em Nova York. Nessa ocasião, Spike Lee concorrera ao Oscar de Melhor
Roteiro Original e, inclusive, de Melhor Ator Coadjuvante por sua participação
na película.
Com a aclamação de “Faça a
Coisa certa”, Spike Lee não desviaria de seu propósito: continuar produzindo
filmes que problematizem questões cruciais do cotidiano negro norte-americano.
Não por menos em 1992, produzira e dirigira a cinebiografia de Malcom X, interpretado
por Denzel Washington, igualmente agraciado pelo público e pela crítica.
Da segunda metade dos anos
1990 para os anos seguintes, Spike Lee passou a sofrer uma série de críticas
por, supostamente, “ter perdido o seu enfoque social e político”, passando a
produzir películas superficiais. Porém, a sua resposta chegaria no decorrer dos
anos 2000, com o retorno de produções de películas profundas como “O Milagre de
Santa Ana” (2008).
“Infiltrado na Klan” emerge
na cinematografia de Spike Lee como o suprassumo deste renascimento; todas as características,
as qualidades e os procedimentos que estruturam o cinema de autoria de Spike
Lee, regressam com todo folego e força nesta película: sarcasmo, ironia, drama,
trilha sonora escolhida a dedo, roteiro minucioso, enquadramentos sofisticados,
fortíssima crítica política e social, etc.
A direção desta película lhe
fora dada, a convite, por Jordan Peele, o emergente e aclamado diretor de “Corra” (2017),
que enxergara em Spike Lee, o cineasta ideal para levar as telas do cinema, a
história real de Ron Stallworth, um policial negro do Colorado, que conseguira
se infiltrar na sede local da Ku Klux Klan por meio de conversas telefônicas com
integrantes do grupo. Evidentemente que, por ser negro, o policial não se
integrara pessoalmente no Klan, sendo então “substituído” por um amigo policial
branco. Não falaremos mais do enredo, para não efetuar os famigerados spoilers.
Baseado então na obra Black
Klansman, de autoria do próprio Ron Stallworth, Spike Lee levou as telas do
Cinema, uma película inteiramente engajada, na qual se mesclam as doses certas
de comédia e drama, sem se perder a real dimensão do que se estava sendo
problematizado: a segregação racial, a violência, os conflitos.
Discutem-se não apenas a segregação
racial, a violência nos meios urbanos e rurais por onde a KKK continua a agir,
mas como também a violência institucional nos próprios locais onde a população
afro-americana tentava e tenta se inserir. O policial Ron Stallworth se
apresenta como um policial que sofre diariamente preconceito de seus próprios
colegas de trabalho. “Policial neguinho, procura um ofício para mim!”. Ele,
próprio, o único na central policial de Colorado.
Ademais, o filme ainda
problematiza o papel sociopolítico dos movimentos de empoderamento negro, como
os Panteras Negras, no decorrer dos anos 1970, demonstrando como o governo
americano, inclusive, tratava de rotulá-los rapidamente como a “principal ameaça
política interna”.
Não se trata de um filme
apenas sobre o Ontem. Trata-se de uma película, infelizmente, atemporal. Spike
Lee faz questão de reforçar esta questão em todos os minutos da película,
sobretudo, com o final absurdamente triste, porém, necessário com que se
encerrara a película. Os problemas estão longe de serem encerrados.
Um filme mais do que
necessário. Incisivo. Pungente. Cortante. Uma comédia? Sim, em inúmeros
momentos. Um Drama. Igualmente. Um perfeito quadro Spike Lee.
Ass.
Rafael Prata.
Doutorando
em História na Universidade Federal de Mato Grosso.