quinta-feira, 28 de abril de 2011

Real Madrid x Barcelona: O Futebol no meio de campo das batalhas da História.

  
Mais do que um grande clássico, o duelo futebolístico envolvendo o Real Madrid e o Barcelona comporta uma dimensão histórica e simbólica que ultrapassa os meros limites das quatro linhas do campo. Sua importância e seu significado remontam todavia as origens da nação espanhola e por assim dizer, aos conflitos e embates que historicamente marcaram a formação territorial e principalmente política e ideológica da Espanha desde a sua formação como Estado Nacional, até principalmente os duelos ideológicos e separatistas que a caracterizam no decorrer do conturbado século XX.
Analisando as raízes históricas de cada clube podemos assim evidenciar e delinear muitos fatores que ensejam o equilíbrio de forças que fomentam historicamente esta disputa. Fundado em 1899, o mais do que centenário Futbal Club Barcelona já nasceu em suas entranhas fortemente relacionado ao mais puro sentimento de pertencimento da chamada região basca, cuja vontade de autonomia desta dita região da Catalunha frente à nação espanhola nos faz remontar aos primórdios do sentido da Espanha, ainda no século VIII, quando a mesma ainda era um Império cristão visigótico, este separatismo basco já se mostrava evidente, obviamente que dada as devidas proporções históricas, para com isso não cair em um anacronismo comparativo. Recentemente, em 1999, quando das comemorações do Centenário do Club, um torcedor ilustre, o grande tenor Josep Carreras, pronunciara que:"Ser torcedor do Barça vai além do puramente esportivo. É o sentimento de raízes, de valores e de uma identidade de país: a Catalunha"
Bandeira da Catalunha : Uma Nação a parte.


Mas enfim, não nos cabe aprofundar neste tão conhecido sentimento de pertencimento a causa basca que tão enlaça aquela particular região da Espanha. Aliás, a Espanha é talvez uma das nações cuja formação histórica se apresenta como de maior particularidade possível. Do século IX até o século XII, e mais adiante ainda, aquela região se mostrava singular ao restante do Ocidente Europeu Medieval, por apresentar uma estrutura territorial e de relações sócio-políticas muito singular e diferenciada. Apresentava-se formada por alguns fortes reinos cristãos localizados no norte da mesma, e principalmente por inúmeros reinos muçulmanos, ou reinos taifas, localizados no sul e no neste da referida localizada. Lá no norte da Espanha, dentro daqueles reinos cristãos, já se encontrava a região da Catalunha e seus condes de Barcelona, e ainda naquela época, o forte sentimento de pertencimento a uma cultura ou uma nacionalidade que é distante do restante da nação já se mostrava forte.
Enfim, voltemos a um tempo mais presente. Não obstante, em seus primeiros anos de fundação, o Barcelona disputava e rivalizava com o Valencia ao chamado Campeonato da Catalunha, ainda nos lidos de 1920, ou seja, ainda nesse momento a rivalidade contra o grande Real Madrid não era tão iminente.
Contudo a História do Barcelona e do clube da capital espanhola, o Real Madrid, se cruzariam com muita força a partir da metade dos anos 1920, quando a partir de combates políticos, o simbolismo da nascente rivalidade viria à tona. Em 1925, a Espanha vivia sobre o julgo da ditadura de Miguel Primo de Rivera que dentre outras coisas deu um golpe de Estado, dissolvendo o parlamento, e consequentemente ao assumir o Poder, passou a perseguir com veemência aos movimentos separatistas bascos.

Cartaz atual onde se lê: Catalunha não é Espanha.

Assim sendo, em um jogo do Barcelona em 1925, a torcida do clube acabou por vaiar ao hino espanhol, em repudio a repressão iniciada por este ditador, e como resultado o clube acabou sendo forçado a fechar suas portas, permanecendo nesse estado por mais de seis meses. 
Outro caso bastante interessante recorre também sobre sobre outro time de origem basca chamado Atlético de Bilbao. Ainda que o Barcelona mantenha suas raizes, este não impossibilita a entrada de qualquer jogador da mais váriada nacionalidade. Contudo, o Atlético de Bilbao talvez represente o mais fechado sentimento separatista haja vista que ainda hoje, neste mercado movimentado dos valores do futebol, não permite a entrada de jogadores de outras localidades, apenas jogadores da Catalunha, enfim, bascos.

Torcida do Atlético de Bilbao em ação separatista.

Desta maneira, com o passar do tempo, o enfrentamento do Barcelona contra as forças estatais espanholas ganhariam seu significado máximo pouco tempo depois destes ocorridos. Seria no governo de outro grande ditador que as disputas entre o Barcelona e o Real Madrid se tornariam palco ideológico que ultrapassavam o mero sentido esportivo.
Este ditador se chamava Francisco Franco. Fascista reconhecido mantinha contatos com Mussolini e Adolf Hitler que o ajudariam a desenhar o quadro politico de seu governo. Fato é que ao assumir o governo, Franco já instaurou o sistema da repressão e do terror, proibindo o uso da língua catalã, e mandando assassinar através de suas forças repressivas da extrema direita, ao presidente do Barcelona, que por ter sido considerado comunista, acabara sendo então aniquilado.

Franco: "Blanco" convicto, usou-se do time como instrumento propagandistico.
Do outro lado do embate, na capital espanhola, o Real Madrid, principal clube de origem nobre, daí seu titulo real, passaria a ser utilizado como canal de divulgação do Franquismo. O próprio Franco era fanático torcedor do clube, e por isso mesmo, iniciou um projeto de fortalecimento do mesmo, patrocinando e contratando os principais jogadores da época para tornar cada vez mais forte o clube, e assim aumentar o poderio qualitativo de sua imagem. Fato é que foi na chamada Guerra Civil Espanhola que o Real Madrid, ou “Los Blancos”, acabam despontando como o grande clube da Espanha, persistindo assim até os dias atuais. Seu presidente a época, durante os anos 1920 e 1930, chamado Santiago Bernabeu, que dá nome inclusive ao seu estádio, mantinha uma forte aproximação ideológica com Franco, evidenciando-se assim todos os usos e desusos ideológicos do clube pelo Franquismo.

Antigo Simbolo do Real Madrid entre os anos 1920 e 1930.
Em Madrid, enquanto o Real Madrid formava-se como o clube da extrema direita franquista, na Catalunha, o Barcelona se mostrava como o clube mais popular, formado e idolatrado  não somente pelo povão daquela região basca, mas também pelos inimigos do sistema franquista. No seu estádio o chamado "Camp Nou", a torcida enfurecida gritava e berrava aos montes, xingando com toda força ao general Franco, aproveitando aquela oportunidade para descarregar toda a energia e toda a raiva possível.

Camp Nou : Casa do Barcelona

 Não se trata de taxar ou rotular ambos os clubes. Seria um erro incomensuravel da minha parte. Contudo ao observarmos a História podemos perceber como grandes fenômenos sempre vão acabar sendo influenciados por questões de ordem política e ideologica. O Real Madrid não é mais um clube franquista, contudo não se pode esquecer muito de seu crescimento ligado ao passado proximo. Tampouco todo torcedor blanco seria de extrema direita e muito menos todo torcedor do Barcelona seria um nacionalista separatista convicto. Enfim, nada de generalizações descabidas. Esta postagem é somente um mero comentário a luz da ótica da história recente e em pró dos recentes clássicos ocorridos nesse ano de 2011 que tanto chamaram atenção.

Madrid x Barça: O Mundo para ao assistir o confronto.

Por conseguinte, diante disso tudo, a história do clássico aumenta a cada dia, desde este passado não tão remoto. Seu sentido ainda é hoje percebido embarcando todas estas rivalidades mencionadas, ainda que diminutas em algumas questões nunca hão de deixar de existir. Grandes idolos de ambos clubes trocaram de manto e com isso foram hostilizados: Figo e Ronaldo podem ser citados sobre isso. 
É por isso mesmo que toda vez que você leitor, se aventurar a ligar a telinha da TV para assistir a esse grande clássico futebolístico, nunca deverá se esquecer, que por detrás deste jogo, há muito mais do que uma pelada onde corre a bola, mais sim um fortíssimo simbolismo histórico e ideológico que permeia toda a nação espanhola.
Nunca! Nunca que um dia qualquer onde degladiariam Real Madrid x Barcelona será um dia comum. Um Clássico! Um combate!  Na marca da cal dos domínios da história para os limites do campo. Há de ser sempre um grande jogo!

quinta-feira, 21 de abril de 2011

O Gênero Religioso - Parte 1. Jesus Cristo no Cinema.

    Em comemoração aos festejos da Páscoa que por meio de seu simbolismo acaba por ocasionar uma profunda reflexão sobre a passagem de Jesus Cristo em vida terrena com os ensinamentos cristãos, vos trago agora uma breve analise de um gênero especifico do Cinema que sempre se manifestou como um grande campo de apropriação cinematográfica: O Drama Religioso.

            Fato é que a comoção da vida e paixão de Jesus Cristo, grande símbolo da história da humanidade, sempre despertou os olhares dos cineastas, tornando-se no decorrer dos anos, um espaço de inúmeras interpretações acerca dos acontecimentos ocorridos. 
             Não obstante, um dos primeiros grandes filmes do Cinema tratou-se justamente de um grande épico religioso chamado “La vie et la passion de Jésus Christi", em português “Paixão e Vida de Jesus Cristo”, filmado no ano de 1903  de autoria do cineasta Ferdinand Zecca. De origem francesa, a película expunha em 44 minutos as passagens cruciais da Bíblia, enfim de toda a trajetória de Jesus Cristo por sob a terra, com filmagens ainda sob molde teatral, caracteristicos dos príncipios do Cinema mudo.

 La vie et la passion de Jésus Christi

            De 1903 para 2011, temos um grande alargamento temporal, e deste tempo decorrido sobressaltam algumas grandes obras religiosas que marcaram época, frente a outras tantas de mesmo teor temático, contudo mais desconhecidas.

            Destes grandes filmes, não aparecem somente obras voltadas propriamente a vida de Jésus Cristo, como também de personagens importantes que o cercavam, como Maria Madalena, sua mãe Maria, Judas Iscariotes, todos os seus discípulos, enfim, há uma enormidade de temas abordados dentro do gênero histórico.

           Longe de querer analisar todos os filmes existentes, até porque seria inviável e impossível, almejo apenas listar alguns filmes que admiro, e que me habituei a assistir desde a tenra infância. Alguns grandes clássicos consagrados, outros nem tanto.

            Aparecerão na história do Cinema, filmes mais transversais em relação à vida de Cristo, sendo assim, aparecendo então outras histórias, outras personagens bem posteriores ao mesmo. O que não os diferencia e o que torna todas as obras bastante próximas é justamente o caráter moral, religioso. 

           Por conseguinte pode ocorrer de alguns grandes filmes louváveis acabarem não figurando na lista. Não se trata de escolhas ou juízos de valores. Por assim dizer, a minha falha memória pode consecutivamente me trair e com isso somente prometerei expor alguns filmes, de forma a ilustrar mesmo, sobre a temática. Na primeira parte desta postagem, postarei apenas alguns filmes diretamente ligados a figura de Jesus Cristo, ou seja, biografias do mesmo. Mais tarde, em outras ocasiões, postarei sobre seus circundantes como também filmes que abordam contextos religiosos interessantes e que são basicamente posteriores a Cristo.

      Dito isto,vamos agora tecer pequenos comentários sobre algumas obras em especial:

1. Jesus de Nazaré, de Franco Zefirelli ( 1977).

           Com certeza trata-se de uma das maiores, se não a maior, representações biográficas da vida de Jesus Cristo. Exibido com certa fluência em datas como a que vivemos neste momento, esta obra é uma co-produção italiana e inglesa, rodada em 1977, por seu idealizador o grande cineasta italiano Franco Zefirelli, que ao transmiti-lo em formato mini-serie, acabou levando-o também as telas do Cinema.

         Com mais de sete horas de filmagem, a película consegue percorrer significativamente grandes passagens da vida do Cristo, passando da sua infância até o momento de sua morte e posteriormente sua ressurreição. Vale destacar no filme a grande interpretação do ator Robert Powell que desempenha justamente a dificil tarefa de tentar encarnar Jesus em corpo e alma. 

     Enfim, sem mais delongas, esta obra é um clássico que considero que todos se ainda não a assistiram, já ao menos tiveram a oportunidade de contato. Passou-se o tempo, mais ainda este filme setentista ainda continua sendo um modelo para os épicos religiosos atuais.

Jesus muito perto de ser condenado.

2. A Paixão de Cristo, de Mel Gibson (2004).

     De assumido grande impacto, esta película mais contemporânea acabou sucitando as mais diversas opiniões sobre seu possível teor moral.  De autoria do cineasta Mel Gibson, a película logo de cara acaba por se destacar pelo carater decididamente perfecionista como são todas as obras destes respectivo cineasta. Gibson sempre inovara em suas obras ao utilizar-se das linguas matrizes locais de cada local, de cada época. Portanto, em a Paixão de Cristo são faladas as linguas da época de Jesus, que são o aramaico, o latim e o hebraico. Este " Efeito de Realidade" traz ao filme uma dimensão muito especial e o sentido de realidade frente ao público se torna justamente muito maior por esta adoção linguistica.

    Essêncialmente a obra como as demais do gênero procura abordar os fatos ocorridos na vida de Jesus, contudo esta acaba inovando ao adotar o Flash Back para rememorar os fatos pensados e vividos pelo Cristo. 

   Contudo o filme ganharia mais destaque e mais considerações na imprensa e pelos críticos que a foram, devido a uma possível brutalidade e excesso de violência que choca durante a execução do filme, e principalmente sob certa acusação de antisemitismo por parte do diretor, Mel Gibson, do que por sua qualidade técnica que é também impressionante.

Jesus e as marcas do sofrimento: Um exagero por parte de Gibson?

   Sobre uma possível demonstração exagerada do sofrimento de Cristo, o proprio Papa a época chegou a dizer que o filme era relevante na medida em que expunha realmente as dores que Jesus havia sofrido por nós. Ou seja, o Vaticano aprovara a obra.

   No tocante ao quesito do antisemitismo, algumas correntes judaicas contestam e acusam Mel Gibson, este religioso bastante conservador, de ter dado a cabo uma visão deturpada e impondo uma visão sobre os judeus como os verdadeiros responsaveis pela condenação e morte de Cristo.

  Enfim, polêmicas a parte, o filme é tecnicamente muito bonito, o choque de realidade é impressionante, e as atuações de Jim Caviezel como Jesus Cristo e principalmente da atriz Rosalinda Celentano como no papel de Satanás são decidamente louvaveis entre outras tantas questões do filme.

O Diabo representado na figura tentadora.


3. O Rei dos Reis, de Cecil B. de Mille (1927).

   Grande épico relígioso típico de B.de Mille, a película " O Rei dos Reis" marcaria a época justamente pelos grandes cenários, pelas vestimentas e pelo grau de investimento em geral. Por ser de 1927, ainda caracteriza-se como do Cinema Mudo, contudo sua fama aparece justamente além dos grandes arranjos arquitetônicos bem avançados para a época, inovará também quando B.de Mille procura utilizar-se de certos truques de ilusão para recriar os milagres da vida de Cristo, como o andar sobre o mar e a transformação da agua em vinho.

   Enfim, trata-se de um grande clássico ainda hoje muito cultuado. Grande filme com quase 2 horas e meia de relato biblico, com destaque para o ator H.B. Warner que interpreta com muita lucidez a Jesus.

H.B.Warner como Jesus.

4. A Última tentação de Cristo, de Martin Scorsese (1988).

        Com certeza nenhum filme conseguiu causar tanta comoção dentro das estruturas da Igreja, nos meandros do Vaticano, como esta película de Scorsese conseguira. Isto tudo porque o filme faz uma releitura dos momentos finais da vida de Jesus, também utilizando-se do efeito Flash Back, onde o mesmo vai rememorando variadas questões de sua vida, arrenpendendo-se de algumas, lamentando-se por outras, dando margem então a personificação de um Jesus mais humano e menos divino, sujeito a erros. Neste, em outras tantas abordagens, Jesus se imagina como teria sido seu destino caso tivesse casado com Maria Madalena, como também é demonstrado como um sujeito inseguro cuja relação com seu pai Deus é sempre tumultuada.

    Enfim, a película de pronto foi considerada como herética e não recomendada aos cristãos por ser considerada desviante dos bons costumes, por parte das ordens do Vaticano. O Filme é inspirado assim na obra homônima do escritor grego Nikos Kazantzakis que obviamente também sofreu inumeras críticas por parte da Igreja, mas seu livro não menos tornara-se um best seller mundial a ponto de ser alçado como vemos a uma película.

  Aos de pensamento mais fechado o filme torna-se um exercicio dificil, mas a leitura passada com a obra é interessante, e no mínimo é necessário assistí-lo para poder então criticar suas idéias. 

  No campo da atuação vale destacar com absurda certeza o grande papel desempenhado pelo ator Willem Dafoe que encarna com perfeição esse Jesus humano, cheio de tentações, dúvidas e incertezas sobre seu destino e sua natureza. 

Dafoe como um Jesus atormentado está sensacional.

  Enfim, não obstante, ainda hoje a obra causa grandes polêmicas sendo idolatrada por alguns, e sendo destroçadas por outros. Vale assistir e tirar sua propria conclusão tanto sobre este filme como quanto aos outros citados. Uma Boa Páscoa a todos!

Ass: Rafael Costa Prata 

Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Les yeux sans visage.


          Desde pequeno sempre me acostumei a ouvir através de um provérbio popular que a expressão dos olhos revela as profundezas mais intimas da alma humana. Por assim dizer, sempre fui levado a procurar no artifício da compreensão e da observância do olhar uma infinidade de sentimentos que nos são escondidos, nublados pela carapuça humana.
         Talvez seja esta a faculdade mais incrível do olhar humano. Não é a toa que o simples ato do cobrir dos olhos esconde a face do sujeito que a possui. Ainda que os olhos sejam apenas uma pequena parte da nossa face ele assim se faz. Contudo, nunca deixará de ser o espelho da nossa alma.
         Se você almeja conhecer a natureza de alguém procure perscrutar sobre o que os seus olhos podem lhe revelar. Com grande margem de acerto, os olhos nunca lhes enganaram, mesmo que camuflados pelo mais experto ser humano.
         Os Olhos de Buster Keaton nunca enganaram a ninguém. Muito menos a ele mesmo. Keaton sabia da força da sua expressão facial, compreendia como a introspecção do seu olhar fazia emergir em seu público uma gama infindável de emoções, sentimentos diante de suas personagens.

Keaton parecia ter olhos de vidro.
         Mas os olhos de Keaton revelam muito além de suas personagens. Revelam o próprio Keaton. Nesse sentido não há diferenciação entre a personagem e/ou o ser humano. The Great Stone Face, ou o Homem que não sorria como era conhecido, é a metáfora viva dos seus olhos que revelam a tristeza e melancolia de uma vida atribulada desde a infância, de sofrimentos, vícios e tormentas que aparentemente perfazem o quadro geral da vida de todo gênio. Da minha parte, sempre acreditei que todo gênio sempre tem de ser atormentado. Se não for, não foi gênio.
         Keaton teve nos seus olhos seu maior artifício artístico. Até por isso chamou a atenção doutros gênios contemporâneos a sua época, que fascinados com a capacidade de reflexão acerca dos enigmas daquele olhar, se propuseram a estudá-lo, pensá-lo, refleti-lo.
         Se os olhos são o espelho dos sentimentos, esta faculdade chamaria a atenção dos grandíssimos surrealistas, o pintor Salvador Dalí e o escritor Federico Garcia Lorca, ambos espanhóis.
         O movimento surrealista desejava imprimir nas suas artes um rompimento com o racionalismo cada vez mais vigente na sociedade, procurando um estudo das emoções, o manifestar do inconsciente, enfim, o não – racionalizar é deixar-se sentir tudo o que é da esfera sentimental.
         Assim sendo, Lorca e Dalí que manifestavam especial interesse também em relação ao Cinema, a ponto de participarem ativamente do clássico curta metragem chamado O Cão Andaluz do também espanhol Luis Buñuel, se detiveram ao estudo do enigmático olhar de Buster Keaton.
         Com rara inteligência e singular beleza, jamais alguém conseguiria definir com tamanha eficiência o olhar de Keaton, como fora efetuado por Frederico Garcia Lorca.
         Para Lorca: “Os seus olhos infinitamente tristes... são como o fundo de um copo, como os de uma criança louca. Muito feios. Muito belos. Olhos de avestruz. Olhos humanos com a dose certa de melancolia."
         Desta obsessão de Lorca como também de seu amigo Salvador Dalí em perscrutar a essência absurdamente surreal que permeava os olhos de Keaton, nascia uma serie de escritos, poemas e cartas trocadas entre ambos os surrealistas.
         Nestes escritos, Lorca e Dalí se perguntavam sobre os limites da arte. Indagavam-se sobre o fato de ser possível realmente creditar à arte a capacidade de imitar a vida, como também a vida imitar a arte. Até que ponto Buster Keaton representava uma personagem? Até que ponto representava a si mesmo?

Keaton: Personagem ou Realidade?
      Num desses primeiros escritos, em 1926, Dalí escrevera para Lorca, um escrito denominado “El Casamiento de Buster Keaton”, onde para ele, ao contrário do que acreditava Lorca, era possível perceber o Keaton fora das telinhas em comparação as suas personagens. O Keaton que em vida pessoal manifestava inúmeros problemas, como o vicio no alcoolismo, casamentos com moças fúteis, para Dalí nada tinha a ver com o Keaton mostrado as telas.

El Casamiento de Buster Keaton, por Dalí.
         Contudo para Lorca isso não era verdade. Acreditava-o que todas as contradições e os problemas revelados na vida de Keaton emergiam em uma figura unitária portadora de um olhar único: triste e objetivo. Keaton, artista, ser humano e personagem, se revelava a partir de seu olhar, sendo impossível assim separar ambos os campos.
         Desta maneira, Lorca escreveria em resposta a Dalí, o poema chamado “El Paseo de Buster Keaton” para mostrar justamente o que acreditava: que só havia um Keaton, de olhos infinitamente tristes, reveladores de toda a sua dimensão.

El Paseo de Buster Keaton, por Lorca.
          O Fato é que ambos os amigos trocaram inúmeras correspondências no decorrer de certo tempo, analisando com toda vivência e profundidade o que para eles era a essência de Keaton. Talvez nenhuma outra personagem, ou artista, tenha chamado tanta atenção de grandes gênios da intelectualidade como conseguira Keaton. Justamente porque ele tinha este dom ou característica especial citada no decorrer de todo este comentário. Era difícil entender a melancolia de Keaton. Entender a tristeza nos olhos de alguém que porventura é apontado como o maior comediante da história do Cinema. Com certeza acredito que sua genialidade aparece deste ponto: Keaton é genial porque é humano. Recria sorrisos, mas é antítese pura. Não sorri. No intimo chora. Já disse, todo palhaço chora antes de dormir. Por ser tão profundamente real e humano que Keaton porta toda sua dimensão.
         Não tenho pretensão nenhuma com esta postagem. Aliás, não almejo até ter conseguido a proeza de ter conseguido me expressar ao menos bem, e ter assim ter tido a oportunidade de passar um pouco do que Lorca e Dalí discutiam.
         Enfim, não há o que discutir. A única certeza que temos realmente é que os olhos são o espelho da alma. 

Buster já idoso: Uma vida atormentada.
        Sendo assim:
Nunca houve um espelho tão revelador como os de Keaton.
Olhos sem face.
Les yeux sans visage.

Ass: Rafael Costa Prata
Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe.

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