segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

“Clube de Compras Dallas” (2013): um grande filme sobre o “boom” da AIDS nos anos 1980, o preconceito e a ganância das empresas farmacêuticas

Imaginem um cowboy texano de natureza homofóbica, vivendo e compartilhando suas ideias no decorrer dos anos 1980, mais precisamente quando a ainda obscura doença da AIDS se proliferava, causando medo em todo o mundo.
Ron Woodrof, personagem principal da película “Clube de Compras Dallas", dirigido por Jean – Marc Vallé, realmente existiu. Foi, além de um cowboy texano, um eletricista que, durante sua vida, vivera intensamente entre farras com mulheres, golpes em apostas de rodeios e uma vida repleta de drogas.
Paradigma do preconceito de uma época, Ron nascera em 1950, tendo falecido em 1992, aos 42 anos de idade, seis anos após a descoberta da AIDS em sua vida. Assim como ele, muitos outros de sua época, os anos 1980, acreditavam e proliferavam a ideia de que a AIDS seria uma “peste gay”, uma doença originaria no seio das pessoas homoafetivas.
Mais do que “somente acreditar nessa ideia”, que por sí só era altamente preconceituosa, o desconhecimento das origens da doença, e principalmente do modo como ela se propagava, fazia com essas pessoas muitas vezes partissem para em muitos casos, além da segregação, uma violência física.
O Filme já começa nesse sentido: Ron Woodrof destilando seu preconceito contra o grande ator Rock Hudson, ao ler em uma pagina de jornal, que aquele se encontrava em uma cama de hospital, em seus últimos dias, frente a força da doença. Durante os primeiros trinta minutos do filme não tem como não odiar Woodrof: ele é o espelho do preconceito, o paradigma do que foi citado acima.
Aliás, é justamente o seu preconceito, aliado com o desconhecimento, que faz com que o próprio Woodrof não acredite que esteja portando o vírus, ao receber a notícia de um médico. Muito pelo contrário, a sua reação mais imediata é se revoltar contra o médico, por achar que está sendo ofendido, por considerar que o médico esteja chamando-o de gay.
Mas é justamente daí em diante que a situação muda. O Filme muda completamente. Ao que parece, a descoberta da doença por Woodrof, o leva gradativamente a uma descoberta de uma humanidade que parecia estar bastante escondida nele mesmo.
Ron Woodrof se “transforma”. Ao descobrir a doença, e com isso o medo da morte, passa a procurar meios de estender mais ainda o seu tempo de vida – o médico havia lhe dito que teria somente um mês de vida , o que o fará se chocar com o ministério que controla a saúde nos Estados Unidos.

Eis um outro ponto central nessa película: o diretor Jean – Marc Vallé, através da figura real de Woodrof, faz uma forte e necessária crítica sobre os interesses que se escondem por detrás de uma suposta validade dos tratamentos frente a doença. Em outras palavras, Vallé critica os interesses financeiros, o mercado existente sobre a vida alheia; é nesse sentido que Ron, o que de fato aconteceu, descobre que a droga “AZT”, o principal medicamente “oferecido” pela rede de saúde do país, é mais indicado nos hospitais por conta de um cartel existente entre o governo e a respectiva empresa farmaceutica produtora, do que propriamente por oferecer uma melhora significativa na vida das pessoas. Muito pelo contrário, a “AZT” destruia tanto as celulas infectadas, como também as celulas em plena saude.
O interessante nisso tudo é que o filme mostra como se dá a transformação mental na vida de Ron de forma justa, sem atropelos e romantismos exagerados. Ao descobrir a doença ele continua homofóbico. Depois, ao descobrir que pode contrabandear remédios estrangeiros que possuem um efeito significativo sobre a doença, tem a ideia de lucrar com isso, criando então o seu chamado “Clube de Compras Dallas”. Mas, é na última etapa do filme, que se dá sua transformação completa: percebemos que Ron Woodroff já sustenta o seu “clube” como uma atividade filantrópica. Ron agora é um ativista que convive com os portadores, que luta na justiça, que sofre processo, mas não desiste. É um “traficante de remedios” por necessidade e ativismo.

Enfim, “Clube de Compras Dallas” é um filme que, por detrás da triste temática, traz varias reflexões necessárias. Vale muito destacar, além da direção de Jean – Marc Vallé, as sensacionais atuações de Matthew MacConaughey – que interpreta Ron Woodrof –  e Jared Leto – que interpreta Rayon, pois ambos, além das atuações magistrais, levaram na pele mesmo a “interpretação da doença” a época, tendo emagrecidos cada um, mais de vinte quilos para interpretá-los. Ambos foram indicados ao Oscar, o primeiro para o prêmio de “Melhor ator principal”, e o segundo para “Melhor ator coadjuvante”.
“Clube de compras Dallas” cumpre assim seu principal objetivo: levar as telas a biografia de um sujeito, Ron Woodrof, que sofreu uma enorme transformação em sua vida, não apenas no aspecto físico, mas sobretudo mental. De sujeito deveras homófobico, transformou-se num dos ativistas mais presenciais e significativos de sua época. Parece muito “coisa de filme”, mas no caso de Ron, foi real.

Ass: Rafael Costa Prata
Graduado em História na Universidade Federal de Sergipe

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