Imaginem um cowboy texano de
natureza homofóbica, vivendo e compartilhando suas ideias no decorrer dos anos
1980, mais precisamente quando a ainda obscura doença da AIDS se proliferava,
causando medo em todo o mundo.
Ron Woodrof, personagem
principal da película “Clube de Compras Dallas", dirigido por Jean – Marc Vallé,
realmente existiu. Foi, além de um cowboy texano, um eletricista que, durante
sua vida, vivera intensamente entre farras com mulheres, golpes em apostas de
rodeios e uma vida repleta de drogas.
Paradigma do preconceito de uma
época, Ron nascera em 1950, tendo falecido em 1992, aos 42 anos de idade, seis
anos após a descoberta da AIDS em sua vida. Assim como ele, muitos outros de
sua época, os anos 1980, acreditavam e proliferavam a ideia de que a AIDS seria
uma “peste gay”, uma doença originaria no seio das pessoas homoafetivas.
Mais do que “somente acreditar
nessa ideia”, que por sí só era altamente preconceituosa, o desconhecimento das
origens da doença, e principalmente do modo como ela se propagava, fazia com
essas pessoas muitas vezes partissem para em muitos casos, além da segregação,
uma violência física.
O Filme já começa nesse
sentido: Ron Woodrof destilando seu preconceito contra o grande ator Rock
Hudson, ao ler em uma pagina de jornal, que aquele se encontrava em uma cama de
hospital, em seus últimos dias, frente a força da doença. Durante os primeiros
trinta minutos do filme não tem como não odiar Woodrof: ele é o espelho do
preconceito, o paradigma do que foi citado acima.
Aliás, é justamente o seu
preconceito, aliado com o desconhecimento, que faz com que o próprio Woodrof
não acredite que esteja portando o vírus, ao receber a notícia de um médico.
Muito pelo contrário, a sua reação mais imediata é se revoltar contra o médico,
por achar que está sendo ofendido, por considerar que o médico esteja
chamando-o de gay.
Mas é justamente daí em diante
que a situação muda. O Filme muda completamente. Ao que parece, a descoberta da
doença por Woodrof, o leva gradativamente a uma descoberta de uma humanidade
que parecia estar bastante escondida nele mesmo.
Ron Woodrof se “transforma”. Ao
descobrir a doença, e com isso o medo da morte, passa a procurar meios de
estender mais ainda o seu tempo de vida – o médico havia lhe dito que teria
somente um mês de vida , o que o fará se chocar com o ministério que controla a
saúde nos Estados Unidos.
Eis um outro ponto central
nessa película: o diretor Jean – Marc Vallé, através da figura real de Woodrof,
faz uma forte e necessária crítica sobre os interesses que se escondem por
detrás de uma suposta validade dos tratamentos frente a doença. Em outras
palavras, Vallé critica os interesses financeiros, o mercado existente sobre a
vida alheia; é nesse sentido que Ron, o que de fato aconteceu, descobre que a
droga “AZT”, o principal medicamente “oferecido” pela rede de saúde do país, é
mais indicado nos hospitais por conta de um cartel existente entre o governo e
a respectiva empresa farmaceutica produtora, do que propriamente por oferecer
uma melhora significativa na vida das pessoas. Muito pelo contrário, a “AZT”
destruia tanto as celulas infectadas, como também as celulas em plena saude.
O interessante nisso tudo é que
o filme mostra como se dá a transformação mental na vida de Ron de forma justa,
sem atropelos e romantismos exagerados. Ao descobrir a doença ele continua homofóbico. Depois, ao descobrir que pode contrabandear remédios estrangeiros
que possuem um efeito significativo sobre a doença, tem a ideia de lucrar com
isso, criando então o seu chamado “Clube de Compras Dallas”. Mas, é na última
etapa do filme, que se dá sua transformação completa: percebemos que Ron
Woodroff já sustenta o seu “clube” como uma atividade filantrópica. Ron agora é
um ativista que convive com os portadores, que luta na justiça, que sofre
processo, mas não desiste. É um “traficante de remedios” por necessidade e
ativismo.
Enfim, “Clube de Compras Dallas”
é um filme que, por detrás da triste temática, traz varias reflexões
necessárias. Vale muito destacar, além da direção de Jean – Marc Vallé, as
sensacionais atuações de Matthew MacConaughey – que interpreta Ron Woodrof – e Jared Leto – que interpreta Rayon, pois
ambos, além das atuações magistrais, levaram na pele mesmo a “interpretação da
doença” a época, tendo emagrecidos cada um, mais de vinte quilos para
interpretá-los. Ambos foram indicados ao Oscar, o primeiro para o prêmio de “Melhor
ator principal”, e o segundo para “Melhor ator coadjuvante”.
“Clube de compras Dallas”
cumpre assim seu principal objetivo: levar as telas a biografia de um sujeito,
Ron Woodrof, que sofreu uma enorme transformação em sua vida, não apenas no
aspecto físico, mas sobretudo mental. De sujeito deveras homófobico,
transformou-se num dos ativistas mais presenciais e significativos de sua
época. Parece muito “coisa de filme”, mas no caso de Ron, foi real.
Ass: Rafael Costa Prata
Graduado em História na
Universidade Federal de Sergipe
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