segunda-feira, 24 de março de 2014

“Os 12 anos de escravidão” de Steve MacQueen (2013): quando a temática da escravidão finalmente encontra sua representação mais fidedigna

Com toda certeza do mundo, Oscar Micheaux sorriu com grande satisfação, no dia 2 de março de 2014, durante a entrega da premiação do 86 Oscar. Micheaux, cuja carreira já destaquei nesse blog, foi o grande pioneiro entre os cineastas negros no nascer do século XX, tendo para isso enfrentado em sua época o preconceito e o racismo tão pungente durante o período (não que hoje não mais exista).
Quase oitenta anos após a carreira de Oscar Micheaux ter se encerrado, o mundo pode presenciar a gloria de um outro cineasta negro: Steve McQueen. O Jovem cineasta britânico de 44 anos de idade, se tornou o primeiro cineasta negro a ter sua película consagrada com o prêmio de “Melhor Filme”.
Nada mais justo para alguém que ao retomar uma temática – a escravidão norte – americana – desconstruiu uma certa visão lúdica que até certo momento persistia sobre a questão, apresentando uma nova visão, mais coerente, crua, sem idilismos frente ao que realmente foi o tão cruel regime escravocrata.

O Filme em questão de nome “12 anos de escravidão” é baseado na biografia escrita por Solomon Northup, um homem livre que acaba sendo sequestrado e vendido a uma família branca, tendo passado ali doze anos de sua vida.  MacQueen não levou a estatueta de “Melhor Diretor” ao perdê-la para o mexicano Alfonso Quaron (que curiosamente também rompeu outro paradigma ao se tornar o primeiro latino a levar a estatueta), no entanto, o que se deve constatar é que MacQueen já contribuiu de forma significativa; “12 anos de escravidão” é um marco não só na “renovação” da temática, como também do Cinema Mundial.
Um diretor de fibra, de assuntos difíceis. Não é de agora que Steve MacQueen surpreende o público e principalmente os oldmans de Hollywood, pois, sua filmografia é a prova disso. Hunger (2008) e Shame (2011) são duas películas que lhe projetaram, ambas, tratando de questões complicadas.
Além do “Oscar” de “Melhor Filme”, “12 anos de escravidão” também levou “Melhor roteiro adaptado” e “Melhor atriz coadjuvante” para a jovem e sensacional Lupita Nyong´o que certamente concedeu uma das mais bonitas e significativas palavras quando do recebimento da premiação, na história de todo o Oscar.

A História de Solomon Northup estava lá. Bastava alguém ter a coragem para levá-las as telas. Muitos negligenciaram. Coube a MacQueen essa tarefa. Sujeito integro como é, agradeceu ao ator Brad Pitt pois sem este praticamente teria sido impossível levar a cabo a película, graças a todo o seu apoio e financiamento mais capital.
Clássico mais do que imediato, “12 anos de escravidão” é a marca de MacQueen, diretor de fibra, que assim como Oscar Micheaux, lá nos remotos anos 1910 – 1930, soube muito bem como retratar questões pouco ou mal abordadas ainda pelo Cinema.

Ass: Rafael Costa Prata

Mestrando em História pela Universidade Federal de Sergipe

sexta-feira, 21 de março de 2014

A história da explosão “Zumbi”: dos “voodus haitianos” aos mortos vivos “modernos”

The Walking Dead.  Eis o nome de um dos seriados televisivos de maior sucesso em todo o mundo. Baseado em uma graphic novel  escrita por Robert Kirkman – e desenhada por Tony Moore -, o seriado descreve a atuação de um grupo de sobreviventes em um mundo pós – apocalipse, quando o planeta está inteiramente dominado por mortos – vivos.  
Além desse seriado, muitas outras produções culturais, como livros e as citadas graphic novels sobre a temática inundam o mercado, demonstrando como os “zumbis” estão em seu ápice, com uma grandíssima aceitação de mercado.
Mas nem sempre foi assim. Aliás, a história do sucesso comercial dos ditos mortos – vivos no Cinema, tem sua origem há um bom certo tempo atrás, e com um fio condutor diferente, de viés “místico religioso”.


Nesse sentido, a primeira película voltada a temática dos “zumbis” foi o clássico do ano de 1932, “Zumbi Branco”, dirigido por Victor Hapelrin, e protagonizado pelo ícone do terror, Bela Lugosi. Nessa película, assim como em outras da época e de décadas seguintes, a história do zumbi é criada sobre o ponto de vista da religião, ou seja, partindo da ideia da “produção de zumbis” por meio da prática de voodus.

Curiosamente esse foi o fio condutor das películas até mais ou menos o final dos anos 1960, quando a questão se altera. Mas, assim como em “Zumbi Branco”, outras películas como “A Morta Viva” (1943) e “Epidemia de Zumbis” (1966) vão sempre utilizar a prática de voodus na construção de seus enredos. Dessa maneira uma serie de filmes parecidos são construídos, tomando como premissa sempre a ideia que através das mesmas é possível conseguir a subserviência das pessoas. Bom, nesses filmes acaba sobressaindo até uma ideia preconceituosa do Haiti, sempre descrito e representado com ojeriza. Quem vai lá pode está correndo perigo, e quem voltou de lá é temível.


Nessas películas, no entanto, o “zumbi” não é o de nossos tempos. Não é o morto vivo que reanimado sai de sua sepultura sedento por carne humana. O “Zumbi Haitiano” é quase sempre uma pessoa viva, que por conta do processo “mágico” acaba se tornando um escravo do praticante da magia, mas não um “comedor de carne humana.
No entanto, como dito, o final dos anos 1960, mais precisamente o ano de 1968, representa a ruptura dessa questão, e principalmente a entrega de um novo estilo, um novo roteiro, um “novo zumbi”. Foi com o cineasta George Romero que a temática ganha uma nova face, mais aterrorizante, mais sanguinolenta, deixando de lado esse aspecto religioso.

Com sua película “A Noite dos Mortos Vivos” de 1968, Romero renova o estilo e apresenta o que seria praticamente a “certidão de nascimento” e o “RG” do “zumbi moderno”. Os zumbis agora são “mortos – vivos”, que por algum motivo, justificativa que vai variar de acordo com os filmes, são reanimados e acabam saindo de suas tumbas em busca da carne humana viva que ajuda a saciar a dor da morte.
Essa película, que já analisei os aspectos sociais e ideológicos da mesma nesse blog, revolucionou não só a temática, como também o gênero do terror em geral na época. Causou furor de um lado, e medo e reclamações por outro lado, no entanto, daí em diante se tornou o modelo a ser seguido. Uma serie de filmes, inclusive do próprio George Romero, como o “Despertar dos Mortos” (1978) e “Dia dos Mortos”(1985), vão dar continuidade as novas características da temática, alcançando cada vez mais o público e o sucesso comercial.


Os anos 1980 foi o palco ideal da temática pois uma serie de filmes populares foram produzidos em larga escala. Clássicos do chamado “TERRIR”, gênero que de certa forma significa a mistura do terror com a comédia, como a trilogia “O Retorno dos Mortos Vivos”( 1985, 1988,1993) são símbolos comerciais da temática na década em questão. Aliás, o sucesso foi tanto que um dos clipes musicais mais conhecidos de todos os tempos, se não for o mais conhecido, chamado “Thriller”(1982) do astro da música pop, Michael Jackson, é inteiramente dominado por zumbis.


Guerra Mundial Z (2013), Extermínio (2002), Zumbilândia (2009), e uma serie de outras películas dão prova que a temática não descansa e não encontra antipatia por parte do público. A Idéia de acordar um dia e se chocar com uma horda de mortos – vivos batendo a porta parece exercer um fascínio aos olhos do público.


De outra maneira, como já demonstrei nesse blog por meio das análises dos filmes de George Romero, a temática muitas vezes possibilita e até serve como um espaço bem prolifero para se manifestar uma crítica social, que vai desde o racismo – A Noite dos MortosVivos (1968) é o paradigma disso -, ao consumismo “ O Despertar dos Mortos”(1978), e até outras questões, ainda que não necessariamente todos os filmes do gênero estejam dotados dessa questão.

Assim, dita estas questões, percebemos o quanto o gênero se renova, se altera, se aperfeiçoa, mas continua atendendo a “demanda” de um público que parece sentir carinho pelas horripilantes figuras. Talvez por não possuírem um talento especifico, e terem sua força representada na coletividade, os “mortos vivos” se adaptem mais aos novos tempos. Assassinos seriais no Cinema, como Jason Vorhess, Mike Myers e Freddy Kruegger parecem ter cansado o público, mas os “mortos vivos” ainda que “batidos” ainda não cansaram. Porque será? Os tempos mudam e eles continuam por ai, reanimados, por conta de um gás, um experimento mal feito, ou o quer que seja, batendo na porta das pessoas, pedindo além de um pedacinho de suas carnes, o ibope de cada dia.

Ass: Rafael Costa Prata
Mestrando em História pela Universidade Federal de Sergipe



quarta-feira, 19 de março de 2014

“O Dublê do Diabo” (2011): quando somos forçados a viver como um filho de um ditador

Seu nome: Uday. Sobrenome: Hussein. Sim, seu pai foi o famigerado Saddam Hussein, um dos mais sanguinarios ditadores do século XX, o qual governou o Iraque por quase 25 anos, com mãos de ferro,  tendo para isso, adotado uma política de perseguição de  minorias – como os curdos – e rivais políticos, entre outras questões.

Mas essa película não é sobre o seu pai e sua política de massacre. É um filme sobre seu filho mais velho: Uday Hussein, que curiosamente, não tinha das melhores relações com seu dito pai. A película “O Dublê do Diabo” (2011), dirigida por Lee Tamahori, conta a história do tenente Latif Yahia que por ser bastante parecido com Uday Hussein, acaba sendo coptado – de forma forçada é claro – pelo mesmo para se tornar seu dublê em aparições públicas e/ou eventos mais perigosos, fato bastante comum, pois Saddam Hussein também tivera um exercito de dublês a seu serviço.
Uday, filho mais velho de Hussein, como bem descreve o título do filme, é a personificação do “diabo”. “Filho de seu pai”, é um sujeito sem escrupulos, egocêntrico, violento, psicopata, entre outras tantas características. E é nesse ponto que o filme se centra: em demonstrar as vilanias cometidas por este, em meio ao conturbado cenário político da Guerra do Golfo, quando o Iraque entra em choque contra os Estados Unidos, por conta do território do Kuwait.



         O outro ponto do filme, é claro, também está na representação da violência sofrida pelo tenente Latif Yahia, que ao ser forçado a se tornar dublê de Uday, acaba tendo que se tornar um boneco nas mãos do mesmo, ao passar por um enorme processo de treinamento e transformação, além de ter que  presenciar as maldades cometidas pelo mesmo. No entanto, como o filme bem demonstra, nunca como um cúmplice, atitude bastante ousada de sua parte, que por muitas vezes quase significou sua morte.


         Uday, que falecera em 2003, após uma ofensiva do exercito americano no Iraque, foi o principal chefe da rede de telecomunicações do Iraque durante os anos 1990, mas se dedicava pouco as suas atribuições, o que curiosamente lhe causava muitos atritos com seu pai. Uday não disfarçava sua vida desregrada e criminosa: vivia em orgias, estruprava colegiais, forçava recém – casadas a ter a primeira noite com ele, entre outras coisas, o que acabava chegando a população iraquiana, fato que fazia com seu pai criasse raiva.
         Enfim, a película “O dublê do diabo” cumpre muito bem o seu papel histórico. Baseado na biografia de Latif Yahia, que conseguiu fugir do Iraque, a película conta não só a história desse megalomaníaco e criminoso “filho de seu pai”, Uday Hussein, como demonstra muito bem o quadro político do inicio dos anos 1990.

Ass: Rafael Costa Prata

Mestrando em História pela Universidade Federal de Sergipe

quinta-feira, 13 de março de 2014

“Acabaram-se os otários” (1929): o primeiro filme falado do Brasil foi uma comédia!

Em outra postagem recordamos que o Cinema chegou ao nosso país no dia 8 de Julho de 1896, menos de um ano após a pioneira exibição dos irmãos Lumière no salão de café em Paris. Em relação a produção de um filme falado, demorou mais um pouquinho. Após a exibição de “O Cantor de Jazz” (1927), de Alan Crossland, demorou praticamente dois anos para que o nosso país lançasse seu primeiro filme falado.

Foi a película de comédia “Acabaram-se os otários”(1929) dirigida por Luiz de Barros, e protagonizada pelo astro do teatro da época, o ator Genésio Arruda, conhecido pelo público de então por suas interpretações de caipiras.
E o filme segue a mesma formula: conta a história de dois ingenuos caipiras e um colono italiano, que acabam sendo enganados por malandros na cidade, ao comprarem um bonde. Ao descobrirem, são praticamente forçados, sem outra alternativa, a voltarem para o interior. A película doza muito bem a linha entre a comédia e o drama.
Para conseguir “colocar som” no filme, o diretor Luiz de Barros utilizou a técnica desenvolvida pela empresa francesa Gaumont: consistia em reproduzir o audio – e os demais sons do filme – na hora da reprodução do filme. Uma verdadeira arte do improviso. De tão pioneiro, o filme também contou com uma pequena trilha sonora: durante sua exibição, são reproduzidas músicas de sucesso da época como o clássico “Carinhoso” de Pixinguinha.
O Filme ficou em exibição de setembro de 1929 até fevereiro de 1930, tendo sido um sucesso, por trazer a grande inovação as telas de nosso país.

Ass: Rafael Costa Prata
Mestrando em História pela Universidade Federal de Sergipe

sexta-feira, 7 de março de 2014

O gênero “Slasher”: quando o “terror” se reveste de moralismo

Certa vez assisti a um documentário, cujo nome infelizmente não me recordo, sobre as características do gênero “slasher”, tão comum a partir dos finais dos anos 1970. O “Slasher” é um subgênero do Terror caracterizado pela presença típica de um serial killer que sai assassinando jovens sem algum “suposto motivo aparente”.

Clássicos como “Halloween” (1978), “Dia dos namorados macabro” (1981) e mais ainda a serie de filmes “Sexta – feira 13” (1980-1993) são exemplos mais que perfeitos desse gênero. No entanto, o que é interessante em taís películas, tão comuns e de grande sucesso no decorrer dos anos 1980, é justamente o que se pode dizer, teor moralista de seus enredos.
Sim, soa muito estranho acreditar que esses filmes regados a sangue e carnificina possam conter um certo tom de moralismo em suas estruturas. Mas se observamos minunciosamente, ou nem tanto, seu estilo, suas características, seus clichês, isso pode ser de imediato notado: em grande parte desses filmes o serial killer em questão é um sujeito que persegue “padrões” não aceitos por uma sociedade conservadora. Em suma, em 99% desses filmes, as vitimas são jovens que se refugiam em alguma colonia afastada para fazerem sexo, usarem drogas, e outras tantas atividades.

E é nessa hora então que um “Jason” entra pra “limpar” tudo isso. Jason é o “recado”, o “aviso” de que, se vai cometer “algo errado” é melhor “arcar com as consequências”. Se vai fazer orgias é melhor pensar antes.
 E sim, ao fim, sobreviverá quem se refugia de todos esses atos. A menina pura, o rapaz respeitador.. Esses são os que sobrevivem e derrotam o vilão em questão.
Desta maneira, o que antes soava estranho, assim não parece mais. Atrás do sangue e da carnificina do “slasher” está todo um moralismo embutido, mensagem passada por uma serie de filmes do gênero, no decorrer de todo os anos 1980.

Ass: Rafael Costa Prata

Mestrando em História pela Universidade Federal de Sergipe