quinta-feira, 10 de março de 2011

O Pequeno Shakespeare


          Chover no molhado. Foi à primeira expressão que me veio à mente quando em resoluto decidi que não iria levar a diante essa postagem. Sim porque escrever sobre uma personalidade cômica de reconhecimento tão acentuado em todo o mundo, e em especial na América Latina, poderia se tornar mais um exercício de repetição, contudo, deixando esses entraves de ordem especulativa de lado, eis que decidi trazer a tona apenas um comentário sobre Roberto Gomez Bolanos e sua importância artístico-histórica para o cenário latino-americano.

         Não se trata de alçá-lo de um comentário tão profundo sobre suas qualidades, inovações ou sobre suas principais obras que são tão reconhecidas e identificadas no seio do nosso imaginário que seria totalmente desnecessário efetuar por aqui tais observações. Atenho-me apenas, repito, aos aspectos mais sutis de toda a sua trajetória, dando destaque as suas influências e sobre como Bolanos sobre inteligentemente torna-se um cômico que refletia as realidades sociais da nossa América mais pobre, com toques de doçura e de extrema realidade, em seus mais conhecidos trabalhos.

          Há um ditado que diz: “Todo palhaço sempre chora antes de dormir”.  Talvez por isso, os grandes gênios da comédia de toda a nossa história, souberam converter realidades sociais absurdas que mais se assemelhavam a grandes tragicomédias da vida real, sabendo daí transformar toda a dureza em um grande conjunto de obras, de alter egos, enfim, uma produção artística incomensurável que ao mesmo tempo torna-se de singela delicadeza cômica, como também traz a tona praticamente aspectos autobiográficos muito marcantes e fortes.

"Todo Palhaço chora antes de Dormir"


           Exemplos disso não faltam, e claro que não se trata de uma regra geral, mas é quase impossível não levar em conta que os grandes vultos da comédia mundial se encaixam ou se encaixaram perfeitamente neste modelo.

         Afinal, todo mundo conhece um Charles Chaplin das telinhas do Cinema que projetou em seu alter ego mais famoso, a personagem Carlitos, retratos ao mesmo tempo cômicos e mais ainda autobiográficos de sua infância conturbada, onde teve de sobreviver às duras penas, órfão de pai, e filho de uma mãe com problemas mentais. Ora, até que ponto Carlitos não é o proprio Chaplin sorrindo para as suas desgraças do passado?

Carlitos ou Charles Chaplin: Real ou Fantasia?



Em seu filme “O Garoto” de 1921, ele nos conta a história do vagabundo Carlitos, tentando tomar conta de uma criança órfã encontrada nas ruas. Sempre o tema do abandono e do “ser órfão” aparecia nas películas de Chaplin. Ele soube superar através de seu talento maximo, e alcançou um patamar que na minha opinião o eleva ao maior gênio da história da humanidade. Bom, Chaplin é Chaplin, não há o que discutir.

Carlitos e o Garoto


         De igual maneira sobreveio o talento de Buster Keaton, filho de uma família de trapezistas e comediantes do circo de comédias de variedades ou o chamado “Vaudeville”, que soube vencer uma infância atribulada com relação às crises de seu pai, para alçar vôos mais altos.

Buster Keaton: Também uma Infância muito dificil.


                Procurando em nossa realidade, eu vos cito o grande Sebastião Bernardes de Souza Prata.  Quem seria? O nosso genial e sublime Grande Otelo. Nasceu negro em um momento em que a sociedade brasileira ainda exprimia doses diretas de preconceito e onde a inclusão artística também se tornava difícil, tivera desde o berço uma infância trágica. Seu pai, quando este era ainda criança, morreu esfaqueado, e sua mãe era alcoólatra. Grande Otelo sobrevivia fazendo comédias e gracinhas nos barzinhos e nas gafieiras do Rio de Janeiro. Desse pano sombrio sobreveio talvez o maior artista de nossa história, reconhecido em todo mundo, a ponto de ter sido convidado pelo aclamado Orson Welles em 1942 para participar do filme “Its all true”. Seus personagens também refletiam traços autobiográficos como malandros de gafieiras tomados pelo alcoolismo e pela melancolia.

Grande Otelo: Orson Welles veio conhecê-lo.
           Enfim, eu poderia ficar aqui eternamente falando sobre cada uma destas personagens, o que nos tomaria o maior tempo do mundo, e também acaba por ser injusto, ficar um ou outro de fora, o que obviamente aqui não me ocorreu à intenção. Dentre vários, quisera citar alguns exemplos que me pularam à mente em instantâneo momento.
         Mas sim, não são os únicos, são apenas uma parcela reduzida de uma lista enorme a ser um dia, e desejo assim, ser comentada.
         Não obstante, a pobreza e as mazelas da infância tornam-se uma realidade tanto na Europa, no Brasil, como também em outras regiões marcadas tão duramente pelo fenômeno como podemos imaginar. O México é uma delas. 
        Estereótipos a parte qual a imagem mental que refletimos ao pensar esta nação? Com certeza a conquista brasileira do tricampeonato mundial do Mundo em 1970, mas também e mais ainda considero a elevação de um grupo de comediantes que acabaram por se tornar símbolos da infância de todos, e aqui ainda continuam emergindo nas nossas mentes, como que marcados por uma química eterna, que não se desfaz e que continua irradiando emoção e alegria para nossos filhos, netos e assim por diante. 
        A pergunta afinal é : Qual o segredo da trupe de comediantes comandada por Roberto Gomez Bolanos?
       Talvez o maior segredo, é não ter segredos.  A Simplicidade quando abarca um talento puro traz a tona o sucesso. É dessa premissa que eu me pergunto qual foi o grande “toque real” de um sujeito baixinho, que media menos de 160m, chamado Roberto Gomez Bolanos, para emplacar por mais de 30 anos um sucesso tão forte e mundialmente conhecido como são suas series de comédia?
Bolanos: Um Baixinho de enorme talento.
            Obviamente que todo este sucesso não nasceu sozinho, teve participação direta de outros gênios da comédia mexicana como Ramon Valdez e Carlos Villagran, mas toda a emergência do conjunto acaba nos levando a sorrir e procurar entender este baixinho mexicano, que de tão inteligente e de tal forma talentoso, passou a ser chamado por seus próximos de “Pequeno Shakespeare”, devido a sua capacidade de escrever roteiros de séries, filmes, comédias, com extrema facilidade e acima de tudo qualidade.

          “El Chavo”. Seu maior sucesso. Esta expressão significa “O Garoto ou O Moleque”, e era assim como o nosso querido personagem Chaves era apresentado na sua nação natal: “El Chavo del Ocho”. Exibido inicialmente a partir de 1970, a serie “El Chavo” até hoje atinge índices exorbitantes de lares e fãs em todo mundo, sendo imediatamente um recorde a ser reconhecido, pois se trata de uma serie cômica de pequenos investimentos, datada de quarenta anos atrás, e oriundos de um mercado pouco reconhecido, como é o mexicano.

         Mas Chaves continua mais do que nunca na ativa. Mais realista, mais autentico e contemporâneo do podemos imaginar. Por que esta obra não perde sua credibilidade, originalidade ou até sua graça? 

         Ora, porque ao assistirmos Chaves nós nos encontramos diariamente com nada menos do que nossas realidades, ou pelo menos, ao que se encontra ao nosso redor. Chaves é um garoto órfão, mendigo que vive dentro de um barril, e que diante de suas atrapalhadas do dia a dia, mendiga o pão de cada dia para sustentar sua fome, dentro de uma realidade, de um ambiente que também nada se diferencia dos primórdios de uma favela, que é a Vila onde todos moram.

Chaves em sua Moradia: Um Barril


               Ainda nessa sobrevivência atordoada, Chaves nos dá inúmeras lições de moral, obviamente que adocicadas, mas que nem por isso não nos emocionam, ou quem nunca ficou ao menos sensibilizado com os pedidos de comida de chaves, ou quando este foi acusado de ladrão, ou mais ainda quando em um episodio épico, este morrendo de fome, se recusa de comer, oferecendo seu pão ao também de situação critica, um senhor desempregado, que não paga seu aluguel em dia, carrancudo mas que no fundo é de coração puro, chamado seu Madruga?

Chaves e seu Madruga: Um Companheirismo baseado em Amor e Odio.
         Pode parecer clichê, mas não é, e é justamente desse tipo de criação direta e ao mesmo tempo doce e que como pano de fundo sempre traz um sentido de esperança e que tudo pode mudar, que enlaça todo o sucesso da serie Chaves e o carinho que todos sentimos por ela.
        Afinal, temos ou não um retrato tão direto e incisivo das nossas realidades? 

        Pobreza, desemprego, mazelas, abandono... criatividade na arte de sobreviver, esperança por um dia melhor.


       É por isso que Chaves fez e faz tanto sucesso em toda a América Latina, não só o Brasil, como também no Peru, Colômbia, Venezuela e etc. Pois somos todos uma grande nação envolta basicamente nos mesmos problemas sociais, uns mais fortes e mais marcantes, e outros menores, mas todos com a mesma raiz e a mesma situação.

Periferia: Um Quadro social.
           A parte este contexto social, Roberto Gomes Bolanos é um sujeito de extrema inteligência que se torna evidente ainda que seus programas de comédia tenham sido evidentemente de investimentos mais limitados.
          
            Grande gênio idolatrado no México, sua inspiração artística retoma ao seu grande ídolo que foi Charles Chaplin, como também aos outros gênios da comédia onde visivelmente podemos perceber influências, como o proprio Buster Keaton como também Harold Lloyd. Uma comédia sutil, doce, também de variedades, com um palco moral e social maior até do que podemos supor.

           Em alguns episódios de sua segunda obra tão conhecida quanto foi Chaves, intitulada “Chapolin”, Bolanos nos leva a um anti-herói mítico, medroso e covarde, mas de coração puro. Em boa parte dos episódios, demonstrando sua capacidade intelectual, as histórias nos levam a grandes fatos históricos como a relação entre Cleópatra e Julio Cesar, como também a grandes lendas da literatura mundial como "Romeu e Julieta", do proprio Shakespeare, "Guilherme e Tell", e também o clássico "Branca de Neve", demonstrando como Bolanos era um artista imensamente versado e fazia por merecer seu titulo de “Pequeno Shakespeare”, de onde vem o termo Chespirito.

Chapolin: Bolanos em uma Satira a Hitler.

          Sendo assim, eu encerro por aqui este breve comentário, mais uma vez homenageando da minha parte a um grande comediante, que já não precisa mais ser condecorado, mas que ainda assim não poderia também deixar de estar no hall dos grandes gênios da comédia, tal qual aquele garoto órfão inglês, cujo Bolanos era maior admirador, e que a partir deste, eu encerro a postagem, com uma homenagem do mesmo Bolanos ao grande Chaplin.




 " Todo Palhaço chora antes de dormir.."
Mas sempre faz sorrir.


Ass: Rafael Costa Prata
Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe.

Um comentário:

  1. Amei seu blog,gostei tanto que estou seguindo e sempre estarei por aqui a te ler e comentar, tenha um exelent domingo bjks.

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...