sábado, 20 de dezembro de 2014

"No vale das sombras" (2007): sobre os traumas, as feridas e a desumanização decorrentes das guerras

          Uma típica criança, minutos antes de dormir, ao ouvir uma famosa história bíblica indaga então ao seu interlocutor, com toda a curiosidade e sapiência infantil, porque o Rei de Israel permitira que o pequeno e jovem Davi enfrentasse o temível e grande Golias. O Senhor que contava-lhe a história, explica-lhe então que não há como responder. A criança percebia assim talvez o traço menos abordado e possivelmente mais polêmico da história em questão.
      
A metáfora do confronto entre Davi e Golias se apresenta como fundamental no decorrer de toda a película “No Vale das sombras”, dirigida pelo cineasta Paul Haggis, em 2007. Haggis ficara famoso um ano antes deste, quando em 2006 ganhara duas estatuetas do Óscar de “Melhor Filme” e “Melhor Roteiro” por conta do excepcional “Crash”, película esta que abriu a linha temática de um polêmico diretor engajado, disposto a discutir as mazelas e as feridas existentes na sociedade norte-americana, por detrás de todo o suposto “american way of life”.
         Em “No vale das sombras”, Haggis, que além de diretor foi o roteirista, discute um outro ponto bastante polêmico para a sociedade norte-americana, cujos debates ainda que se acentuassem, ainda encontravam certo esquecimento: as mazelas emocionais provocadas pelas guerras e a famigerada política externa norte – americana.
         Partindo destas premissas, a película procura discutir de maneira bastante crítica a natureza da política externa norte-americana durante a chamada “Caça ao Terror” no Iraque, abordando inúmeras questões decorrentes da mesma: a convocatória de jovens para o exército, o encontro com a violência em sua face da barbárie bélica, as mazelas emocionais provocadas pela guerra e o retorno doentio destes combatentes para os Estados Unidos, a falta de auxilio do Estado frente aos mesmos diante de tais consequências, e como também, o estado de desumanização provocada pela guerra nos soldados americanos no trato com a população das regiões em conflito.
        
Fica visto que muitas questões são discutidas no filme. Todas elas aparecem diretamente, e em alguns casos, como subtexto da película. Ao narrar a história de um ex-militar que parte em busca do seu filho, o qual, ao retornar da Guerra do Iraque para os Estados Unidos acaba por desaparecer, nos leva então a refletir sobre os horrores provocados pela guerra durante sua execução e após o seu “possível termino” no que se refere aos reflexos emocionais.
         Vale muito assistir o filme.. Tratei de não apresentar os fatos da história para não prejudicar a reflexão daqueles que porventura irão assisti-lo. Por fim, o grande ponto que reúne todos os debates e reflexões que Paul Higgis realizou na película se resume novamente na metáfora de Davi e Golias, e a dúvida da criança: Porque o próprio Rei – o presidente – não foi lutar contra Golias?! Porque ele envia os jovens para combatê-los?! Porque a guerra é feita de crianças?!

Ass. Rafael Prata
Mestrando em História na Universidade Federal de Sergipe

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