As obras “Os Anos JK, Uma Trajetória Política” e “Jango”, respectivamente 1980 e 1984, são de autoria do aclamado cineasta e diretor Silvio Tendler. Nascido no Rio de Janeiro em 1950, o carioca traçou seu caminho até a França onde iniciou sua formação e voltou com uma bagagem intelectual que inclui Licenciatura em História pela Universidade de Paris, mestrado em Cinema e História pela École des Hautes-Études da Sorbonne e especialização em Cinema Documental aplicado às Ciências Sociais no Musée Guimet, na mesma universidade. Decidido em direcionar sua carreira para a criação de biografias históricas de cunho nacional e social, em 1981 criou a Caliban Produções Cinematográficas onde em 20 anos a frente da produtora, dirigiu mais de 30 filmes em formato documental. Além das duas obras em análise, podemos destacar tantos outros filmes como “Marighela, Retrato falado do guerrilheiro” e “Castro Alves” datados de 1999, “Dr. Getúlio, últimos momentos”, de 2002 e “Glauber o Filme, Labirinto do Brasil”, de 2003, entre tantos outros documentários de destaque. Reconhecido pela crítica, foi premiado em muitos festivais destacando-se o prêmio de melhor montagem no Festival de Gramado e o troféu Margarida de Prata da CNBB para o documentário “Os anos JK, Uma trajetória Política” como também o reconhecimento para “Jango” nos festivais de Gramado e Havana.
De formação esquerdista, Tendler ao decorrer de sua carreira produziu propagandas para partidos da esquerda e em seus documentários vai geralmente se aproximar da visão comunista, em especial do PCB e do PTB. Desta forma, o diretor reconstrói a história de duas importantes personagens políticas visando criticar o período militar em que vivia, haja vista que ambos os documentários em análise são situados na década de 80, período de intensas mobilizações e efervescência política acarretada pelo processo de abertura política que vivia o país e das intensas lutas em torno da redemocratização como, por exemplo, as chamadas “Diretas Já!”.
Por conseguinte, tanto na obra sobre JK como em Jango, adota-se uma visão historicista, que apresenta os objetos de estudo a partir de suas origens e de seu desenvolvimento vinculando-os as condições concretas que os acompanham, assim o cineasta não aparece na narrativa deixando a cargo dos filmes a tarefa de transmitir a sua proposta na totalidade. Percebemos uma visão cronológica, onde os fatos seguem uma linha do tempo a fim de que se tenha uma fidelidade à história, assim como é evidente o interesse de criar a imagem dos dois lideres políticos como herdeiros do Varguismo, logo JK é recriado como filho político de Vargas e sua trajetória política é demonstrada paralelamente ao governo varguista, e igualmente Jango é reconstruído como herdeiro de Vargas desde sua ligação e iniciação política dentro da cidade natal de ambos que é São Borja tanto nos processos políticos posteriores que ligam os dois dentro do PTB.
Individualmente tratando, enxergamos a criação de JK como o ideal democrático, mentor dos anos dourados brasileiro onde o país cresceu e se desenvolveu como nunca, mostrando que é possível se modernizar dentro de um sistema democrático. Assim é o democrata reformador que tirou o Brasil do sistema agrário arcaico e atrasado e levou ao mundo industrial, da modernidade e do progresso, como o próprio narrador faz questão de explicitar. Através de imagens, vídeos e entrevistas com participantes do período, cria-se a imagem do JK sorridente, pacificador e que vai sempre atender a defesa da democracia e da constituição para contrapor os militares e mostrar que a democracia ainda é viável mesmo que o ambiente repressivo nos tenha tomado por muito tempo. Em relação ainda a composição das imagens e das entrevistas é visível a clara preocupação com a estética das obras quando percebemos, por exemplo, a escolha por ambientes intelectuais como bibliotecas, escritórios, gabinetes políticos e etc., visando uma formalidade e uma credibilidade ainda mais acentuada para a obra e a conseqüente aceitação que uma bela imagem pode criar e assim beneficiar a obra.
Porém, contraditoriamente podemos enxergar por parte do cineasta um “esquecimento” ao somente relembrar os lados e fatos bons atribuídos a JK astuciosamente ocultando aspectos desagradáveis e contradições referentes a este e a sua gestão como ao não se aprofundar nas questões sociais primordiais do país na época como o problema da seca que se agravou no Nordeste, omitindo também o desleixo do governo em aumentar os fundos do orçamento para a saúde e educação no país, preceitos básicos que são garantidos pela constituição. Todavia, o miserável é retratado parecendo satisfeito com aquela nova situação de progresso e assim o filme procura sempre reforçar o desenvolvimentismo progressista metaforizado na construção do estado símbolo que foi Brasília, a capital candango do Brasil. É assim notório o interesse de não responder a certas perguntas, lacunas em aberto, especialmente de interesse popular, esquecendo tais contradições, com o claro interesse de elevar os louros, as glorias de JK.
De igual forma é criado o filme “Jango”, com imagens e entrevistas da época seguindo a mesma preocupação estética do diretor para reescrever esta personagem histórica. O que torna este documentário diferente em relação ao anterior deve-se pelo momento conturbado em que vivia o nosso país que vai ser retratado no filme, criando um aspecto pesado e de forte teor emocional para os espectadores. Se em JK, assistimos com um grandioso e radiante sorriso estampado nos lábios, feliz e orgulhoso pelo belo período de anos dourados e de democracia com progresso que reinava no país, em Jango por muitos momentos recorremos as lagrimas para manifestar a reação que o filme acaba nos provocando. São lagrimas resultantes da emoção que o filme traz a tona, tanto pela composição iconográfica e filmagetica que emociona em muitos momentos ao trazer imagens onde enxergamos a tristeza na face de Jango, a dor do exílio e o momento da volta deste mesmo exílio somente conseguido por meio da morte, como também pela composição sonora, deveras primor da obra,esta que desde o inicio da película nos envolve, busca comover a ponto do telespectador por toda essa composição se vê subitamente envolvido e assim acaba por torcer pelo melhor final possível para Jango porque se sente como quem está andando ao lado dele. É intencional a forma desta criação que pode ser justificada pela claríssima simpatia do diretor com Jango e para com suas idéias e propostas, e fazendo-se desse meio ele também, alem de como já dito inserir o telespectador na emoção do momento e fazendo-o se identificar com Jango, consegue criar uma raiva ainda maior para com os militares devido a suas condutas e ao presente que eles acabariam por levar ao país.
Dessa forma, é inevitável a aproximação de Jango com o telespectador, possibilitando a concretização do anseio da obra que é criar uma imagem positiva de Jango e também a partir desta mesma imagem criticar o golpe e a ditadura em questão. Jango, como reformador social, de tendência esquerdista, é recriado como populista defensor das causas sociais, criador das reformas de base profundas como a reforma agrária, e que por isso teve de lutar até o instante final de sua gestão pelos seus ideais, e que até esse final não se entregou, porém mais uma vez foi deposto por forças conservadoras que não desejavam as medidas que ele estava adotando em viés popular. Assim mais uma vez um líder populista, como Getulio Vargas, foi deposto por tais forças e que da mesma forma caiu sem aderir à luta armada, talvez por enxergar as conseqüências sangrentas que poderia acarretar ao povo caso ele conclamasse ajuda popular, e ele teria força para tal como afirmou muito bem Leonel Brizola, ou por que decidiu renunciar pacificamente optando pelo ato da pura covardia.
Enfim, em ambos os filmes existe o claro propósito de confrontar a memória da esquerda frente à memória militar. Ambos caracterizam o chamado cinema da abertura democrática aonde vai se buscar uma identidade democrática no passado para se exemplificar e projetar um futuro democrático que em breve estaria por vir.
Silvio Tendler.
São dois clássicos documentários que contribuem muito para o estudo do Brasil Repúblicano em um período politicamente conturbado onde emergem estas duas importantes figuras : Juscelino Kubitschek e João Goulart, JK e Jango respectivamente.
Ass : Rafael Costa Prata
Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe.
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