A
Utilização do perigoso verbo “denegrir” no titulo desta postagem foi deveras
intencional. Utilizado no dia a dia para “depreciar”, “macular” a imagem de
alguém, este vocábulo traz consigo desde sempre, o germe do proprio preconceito,
nesse caso, aquele pertencente ao racismo. Sim, porque a associação direta
entre macular, depreciar, injuriar o outrem está diretamente associada com o
ato de “fazer negro, escurecer”.
Palavras
e expressões como esta pululam no vocabulário cotidiano do dia a dia, de forma
que muitas vezes não percebemos a essência de seus possíveis significados. Esta
questão não se refere apenas aos negros, mas como também a outros que sofrem
preconceito. Recentemente fiquei surpreso ao notar que o termo “judiar” se
refere a um estereotipo depreciativo incidente aos judeus. Não se trata de
defender o extermínio ou a não utilização destes termos, até porque, acredito
que, 99% das pessoas que as utilizam, inclusive eu, assim não a fazem no
intuito de depreciar este ou aquele.
Este
prologo serve apenas para demonstrar como algumas questões parecem se enraizar
de forma tão forte que não nos damos conta. Puxo então esta questão do
“denegrir”, pois foi com este intuito que um mecanismo cinematográfico foi
bastante utilizado na primeira metade do século XX, no Cinema americano: o
Blackface.
O
Blackface se apresenta como um conjunto de mecanismos artísticos que comportam
tons e estereótipos puramente racistas em suas manifestações. Devemos ter em
conta que o Blackface não surge com o Cinema, sendo apenas um espelho refletor
da mentalidade norte – americana no pós – Guerra Civil Americana, em especial,
uma visão branca sulista que procura sobrepor em todos os sentidos, inclusive
raciais, a imagem do Norte, com destaque, a atuação dos escravos.
Enfim,
toda esta querela acabou se refletindo nos meios artísticos; o Blackface surge
então no glamoroso a época, Vaudeville, ou o circo de variedades. Comediantes
faziam sucesso representando de forma absurdamente estereotipada os antigos
escravos americanos, para delírio de um público em sua maioria formado por
aristocratas brancos, sulistas, ex – escravistas.
O Blackface no Teatro de Variedades ao iniciar do século XX: A Maquiagem e a encenação pitoresca. |
O
Principal “efeito de realidade” utilizado nestas encenações é justamente a raiz
do Blackface: pintavam-se os rostos brancos com tinta preta, procurando-se
acentuar também o volume dos lábios – em alguns casos, chegava-se a pintá-los
de vermelho – para chegar a uma certa “representação” desejada para os negros.
O
tão comum Blackface dos Cinemas logo galgou espaços dentro daquela nova mídia
que crescia durante o iniciar do século XX. No Cinema, temos inúmeras mostras
deste mecanismo, que vão desde películas hoje bastante criticadas e contestadas
como de conteúdo puramente racista – como “O Nascimento de uma Nação”, de 1915
de Griffith – até outras obras menos faladas, estas de grande valorização e
estima poética, mas que acabam por isso ocultando a utilização destes
mecanismos em suas películas.
Em “O Nascimento de uma Nação” de Griffith, temos um filme de
“caráter abertamente racista, repleto
de estereótipos cruéis afro-americanos como pessoas bárbaras, sem instrução e
sem cultura” (Rosenstone,2010, p.30). A idéia deste sulista era
de dar a sua versão da guerra civil americana e as possíveis consequências para
o país diante daquele fato. O que assusta disto tudo é que “A sua representação
da Guerra Civil Americana, a sua visão do Sul como vitima das depredações dos
ex-escravos e dos oportunistas do Norte durante a reconstrução, a sua exaltação
dos integrantes da Ku Klux Klan como heróis do conflito racial e seus
estereótipos terríveis dos afro-americanos eram (infelizmente) reflexos diretos
das principais interpretações da época em que o filme foi produzido – não
apenas das crenças das ruas, mas do saber da mais poderosa escola de
historiadores americanos daquele período”(Idem).
Enfim, obviamente que como artificio
desta visão preconceituosa que se formaria durante o filme, o uso do Blackface ganharia
destaque, sendo praticamente imortalizado no mesmo. Cena fortíssima que reflete
o preconceito e que demonstra o uso pitoresco deste artificio racista se dá
quando o “Negro Gus” persegue a jovem e branca Flora, que prefere jogar-se a
morte em um penhasco para que aquele não a toque. O “Negro Gus” é um ator
branco que se usa do Blackface. Gus é linchado pela Ku Klux Khan.
O Olhar "esbugalhado" do "Negro Gus" ao ser linxado pela KKK. |
O Estereotipo do "Negro Buck": O Buck é um grande homem negro que é orgulhoso, às vezes ameaçador, e sempre interessado em mulheres brancas. |
Contudo, o curioso está em observar
que este uso tão comum da “maquiagem” e “satirização” pelo Blackface não atingia
somente a estes filmes mais, digamos políticos, atingindo também posteriormente
películas mais comerciais com temáticas adversas. Curiosamente, o primeiro
filme falado da história de Hoolywood procurou se utilizar deste artificio. Em “O Cantor de
Jazz”, de 1927, o Blackface ganha papel de destaque na caracterização do
personagem principal da película. Para isso, o Ator Al Jolson, a fim de interpretar
um jovem cantor negro chamado Jack Robin, atua em boa parte do filme, com o
rosto pintado.
Al Jolson em "O Cantor de Jazz": O Primeiro filme falado dá voz ao preconceito. |
Nestes
dois casos, citamos o uso de um Blackface mais desmascarado, direto. A
Maquiagem e a satirização é direta, sem disfarces. O Curioso, porém, é que ao
passar do tempo, o uso do Blackface se metamorfoseia, se transforma ganhando
novas feições que vão além de uma mera maquiagem: o Blackface se assume na
caracterização de tipos sociais negros de ordem pitoresca. Não precisa pintar o
rosto de negro e os lábios de vermelho, basta contratar atores e atrizes
negras, e entregar-lhes personagens altamente depreciativos, moldados sob uma
visão preconceituosa. Com este artificio, torna-se mais prático a arte do
convencimento racista.
Eis
a evolução do Blackface. O Negro Gus de antes, transforma-se no “Preto Velho”
ou na “Mama Negra” – aquela cozinheira negra e gorda das casas de engenho -, ou
nos “negrinhos danados”. Enfim, uma serie de caracterizações passam a surgir,
estendendo todo o tipo de preconceito possível.
Um caso ilustre deste “Blackface
moderno” se deu no venerado e poético filme “E o Vento Levou”, de 1938, onde
mais uma vez a visão sulista ganha às caras, e os escravos representados por
atores negros – ou seja, sem a necessidade de maquiagem – são sempre tipos
caricatos de pessoas. Nesse sentido, vale destacar o papel dado a grande atriz
afro – americana Hattie MacDaniel que interpreta “Mammy”, a cozinheira negra,
das bochechas grandes, baixinha e gorda, e da voz “engraçada”. Mammy é um
desses tipos caricatos preconceitos que surgem na evolução desse Blackface. É a
personificação da escrava empregada que assume o papel de matrona dos filhos de
senhores de engenho.
Hattie em "E o Vento Levou": O Oscar e o Preconceito |
Enfim,
o preconceito perpassa todo o filme. Desde a sua cartilha que anuncia: “Existia
uma terra de cavalheiros e campos de algodão chamada "O Velho Sul".
Neste mundo bonito, galanteria era a última palavra. Foi o último lugar que se
viu cavalheiros e damas refinadas, senhores e escravos. Procure-a apenas em
livros, pois hoje não é mais que um sonho. Uma civilização que o vento levou!” até
a caracterização dos Negros no filme.
Um dos estereotipos: a Mammy. |
Curiosamente
esta mesma atriz, Hattie MacDaniel, entrou para a História do Cinema, ao ser
indicada ao Oscar de Melhor Atriz coadjuvante por este papel de destaque, tendo
ganhado o premio, se tornando a primeira pessoa negra a ganhar este premio na
história. Ora, temos aqui a demonstração do não – racismo e da valorização do
negro?! Durante a entrega do premio, Hattie ficou em um local separado dos
demais atores que recheavam a festa.
Rafael, realmente essas atitudes denominada de Black Face nn pasou de mais uma tentativa de denegrir a imagem do negro na sociedade. Graças a Deus esse tempo já passou e hoje vemos exemplos como o Lazaro Ramos e Will Smith. Excelente artigo. Convido-te para ver o artigo que fiz sobre: http://www.oiapraisso.com/2012/11/o-que-foi-o-black-face.html
ResponderExcluirAbraço!
Passou, onde Yure? Comparar lazaro Ramos com Wil Smith é piada. Não pela competência artistica, mas pelos perfis de seus personagens... Wil vem de uma cultura honestamente racista mas que está aprendendo a RESPEITAR o negro mesmo desdenhando deste. Aqui, nosso racismo tupiniquim, o hipócrita e subentendido, que diz-se não racista mas só coloca o Lazaro em papéis tão estereotipados quanto os dos blackfaces de outrora... Rara a vez que tentam dar um verniz de modernidade onde este ator aparece como um galã quase sem laços afetivo/familiares, pois nossa tv não tem muito espaço para atores negros... Há pouco uma novela que retratava algum núcleo negro foi denominada DA COR DO PECADO... Alguns anos atraz atriz que fez o papel de secretária da Malu Mader, que interpretava por sua vez uma estilista ou gerente de revista de moda, algo assim, afirmou o seguinte, resumidamente: em 5 anos trabalhando como apresentadora na tv suiça (há algum na nossa tv?) ela afirmou que via mais negrors na tv suiça do que viu trabalhando na Globo... qualquer filme americano tem muito mais negros em cena ( negros representam pouco mais de 12% da população dos EUA) do que qualquer novela de tv brazuca (onde somos quase 50%)...
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir