sexta-feira, 6 de junho de 2014

[Músicas Históricas] A canção “Apesar de você” (1970) de Chico Buarque nos ares de ditadura militar brasileira


Fora um censor quem havia perguntado o sentido da mesma. Censor da ditadura militar brasileira iniciada em 1964, e que só se extinguiria por completo em 1989. Pois é, mas na prática, a “mulher” que Chico Buarque menciona na letra da canção nunca foi uma companheira de seu passado, mas sim o terror do presente: ela, a ditadura, essa mulher autoritária e mandona, censora, punitiva, assassina.

O Lp do Single "Apesar de você" do ano de 1970.

Justamente para burlar os olhares ávidos desses censores é que Buarque escreve essa canção metafórica e subliminar com claro conteúdo de crítica ao regime. No entanto, o sentido da música inicialmente passou despercebido pelos próprios censores do sistema.
Foi em 1971 que os censores realmente compreenderam o sentido da canção, e após isso, obviamente que de imediato mandaram parar a sua execução nas rádios, e mandaram quebrar todas as cópias do disco single de Buarque na sede da Phillips, sua gravadora.
Foi justamente após essa “percepção” dos censores que Chico teve de se explicar, como citei no inicio do texto, acerca da natureza da “Mulher” da canção. Explicou mas não adiantou muito. Chico ficaria marcado pela ditadura, todos os seus passos seguidos, sendo suas músicas, até aquelas que realmente não possuíam sentido político, passam a agora a serem lidas, relidas com atenção, e censuradas pra evitar o “erro” de outrora.
Ao analisarmos com calma o conteúdo da letra, podemos perceber de certa forma até de forma clara, a forte crítica residente na mesma. Na primeira estrofe, Chico afirma:

Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O Perdão


Ora, a música já se inicia afirmando o autoritarismo da dita “mulher” pois “hoje é você quem manda”. “Não tem discussão”. Mas nessa estrofe também podemos notar uma centelha de esperança quando este coloca o “hoje”. “Hoje é você quem manda”. Amanhã, pode ser que não mais.
 O compositor continua nas estrofes seguintes:

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar

Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florecer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. E tal

Apesar de você ditadura, amanhã alcançaremos uma nova fase, te superaremos. Uma nova fase chegará... E nas estrofes seguintes, Chico Buarque continua a cantar, a sua alegria ao ver chegada a hora de um novo momento, o tempo em que a ditadura “vai se dar mal”, quando as pessoas passaram a puder exprimir, com juros, todo o amor reprimido, proibido a tempos. 

A Canção se tornou um Hino na luta contra a ditadura


Enfim, são estrofes de um conteúdo crítico bastante alto, uma verdadeira “afronta” a ditadura militar. Praticamente uma “ameaça”.. Uma letra bastante subversiva que soube bater de frente ao sistema!

Ass: Rafael Prata
Mestrando em História pela Universidade Federal de Sergipe

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