quarta-feira, 29 de agosto de 2012

" The White Dog" (1982): Uma incisiva critica sobre o Preconceito Racial


         Engavetado.  Quando o “polêmico” Samuel Fuller terminou a produção desta película, a produtora que o financiara, a Paramount Pictures, lhe desferira esta questão, afirmando que o filme seria deveras pesado, o que justificaria a sua retirada de circulação.
         Mas o que apresentaria de tão incisivo, de tão amedrontador tal película?! Haveria algo de subversivo no seu enredo? Algum elemento que cause “constrangimento” em seu público expectador?
         Sim, como todo filme de Samuel Fuller, o fio condutor da película nos leva diretamente a refletir sobre os paradoxos, as mazelas da sociedade norte – americana. Questões que aquela sociedade tem muita pouca vontade em discutir.
         Neste caso, a temática em questão é o preconceito racial. E não há ninguém melhor que Fuller para empreender uma reflexão, por meio de uma metáfora, de algo tão complicado e ainda tão presente, seja qual for à época.

         Nesta película, somos levados à história de uma jovem atriz, que ao atropelar em uma noite qualquer a um cachorro branco, acaba-o levando para casa, assumindo-o como um cão de estimação. O Cachorro Branco, de natureza dócil, passa a se manifestar violentamente de frente a pessoas negras. Só que, a dona, não percebe esta “característica”, que é apenas notada por um adestrador de cães, de cor negra, que a informa que aquele não é apenas um “cão de ataque”, mas sim, um “cachorro branco”.
         Os “cães brancos” são cachorros da raça “pastor alemão” que em sua criação, são desde pequenos adestrados a manter um ódio ferrenho as pessoas da cor negra. O Condicionamento é feito, como o próprio filme demonstra, através de ordens de ataque a mendigos negros, e etc, algo que passa da infância do animal até a maturidade do animal.
       Este tipo de condicionamento foi bastante comum na África do Sul durante os tempos do Apartheid, quando as policias treinavam os cachorros e os soltavam durante as manifestações. Retornando mais no tempo, no cenário norte – americano, como o adestrador propriamente explica, isso também foi algo bastante comum durante o período escravocrata americano. Naquela época, os cachorros eram treinados para “atacar escravos fugidos”.  Passada essa situação, os cachorros passam a atacar os “presos negros que procuram fugir”, e numa ultima escala, passam a ser treinados para atacar “qualquer pessoa negra”.
         Antes que qualquer tipo de ojeriza ao animal seja criado, há de se mencionar que os cachorros não possuem culpa alguma diante do ocorrido, e isso o filme deixa muito bem claro. Como o próprio adestrador faz questão de mencionar, os cachorros não são monstros, são irracionais, muito pelo contrário, sua reação é resultado de uma ação estupida de “racistas de quatro pernas” que através de uma criação a base de pancadas, faz com que os animais acabem assumindo tal conduta. Portanto, os cachorros são também vitimas do processo.



      Há de se ter o cuidado então de para não “racionalizar” as ações do animal. Os cachorros não pensam, apenas seguem a lógica de uma criação calcada em um ódio absurdo. Isso fica bem claro, quando o adestrador negro, após tempos de recondicionamento, consegue por exemplo, obter o carinho do animal.
      Enfim, ao final do filme, somos levados a refletir ainda sobre como o racismo tende a se perpetuar dentro do seio familiar norte – americano, algo que muitas vezes é pouco notado ou discutido. Por abrir a discussão esta questão, o filme causou todo esse rebolido, tendo sido tolhido então das salas de Cinema.
         Um filme que infelizmente apresenta uma discussão atemporal, haja vista que, o racismo parece não se extinguir, encontrando nas mais toscas formas de manifestação seu escape, desde o uso dos animais até outras formas.
         Fuller, ousado como sabia ser, soube se utilizar assim de um filme com temática animal – algo bem comum durante os anos 1980, quando muitos filmes sobre cachorros eram feitos – para empreender a uma reflexiva critica sobre uma histórica e arraigada realidade mundial, e não somente, norte – americana: o preconceito racial.

Ass: Rafael Costa Prata
Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe
        

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